Santa Maria, RS (ver mais >>)

Santa Maria, RS, Brazil

Prostitutas de Salvador mandam recado pelas ondas do rádio


 Elas estão cansadas de não ser ouvidas. Não agüentam mais desrespeito e humilhação. Indignadas, fazem questão de dizer em alto e bom som: “somos profissionais”. O grito unânime vem do peito de mais de três mil prostitutas que residem em Salvador. Membros da Associação das Prostitutas da Bahia (Aprosba), elas comemoram a mais nova conquista: a concessão de um canal FM estabelecida por meio de um convênio com o Ministério da Cultura.

 

“Será uma rádio como outra qualquer, com bastante música, programas e propaganda. A diferença é que será feita por prostitutas”, explica Fátima Medeiros coordenadora-geral da Aprosba. Ainda sem estrutura editorial e recursos técnicos definidos, a mais nova rádio da cidade [sem nome por enquanto] surge como um instrumento de expressão de uma das classes mais excluídas na sociedade contemporânea. “É muito fácil ser agredida, difícil é ser ouvida, precisamos ficar unidas”, diz.

À frente do projeto, cujo primeiro programa deve ir ao ar apenas em agosto, está um grupo de mulheres que apostam no sucesso do empreendimento, apesar da pequena experiência na área. “Entendemos de sexo, agora precisamos de profissionais de comunicação, estamos recebendo currículo dos interessados”, completa.

Localizada no fim de linha da Praça da Sé, a pequena sala número 4 do edifício Bonfim será reformada nos próximos meses para comportar um pequeno estúdio de rádio. Recentemente, técnicos do Ministério da Cultura estiveram no local para configurar o espaço onde serão instalados os aparelhos. Outros detalhes serão acertados ao longo dos próximos meses. Entre os planos editoriais está a proposta de montar uma rádio novela. "Com histórias baseadas em fatos reais", diz Fátima.

Prostitutas, sim! – Diferente do que os mais recatados podem imaginar, o termo profissionais do sexo não é bem visto pela coordenadora-geral da Aprosba. “È muito abrangente, lutamos para que as pessoas compreendam e usem a palavra ‘prostituta’ sem um estigma pejorativo”, explica Fátima.

Prostituta assumida, três vezes casada e mãe de duas filhas, Fátima luta há dez anos para estabelecer uma unidade na classe. A Aprosba atua como parceira das profissionais cadastradas e oferece suporte psicológio, orientação de saúde com campanhas de prevenção, além de interferir juridicamente em casos mais graves, isso quando a vítima permite.

“Quando começamos o trabalho há oito anos, foi muito difícil. Recebíamos muitos casos de violência contra as meninas [forma como as prostitutas chamam as colegas] e, por medo, a maioria não queria denunciar”, lembra.

Aos 38 anos, Fátima garante que não faz mais programa, mas não por opção. É que a carreira de prostituta tem curto tempo de duração. Os clientes dão preferência a mulheres entre 18 e 30 anos. “Sou coroa, minha idade não permite mais. Agora vou às boates para conversar com as meninas que fazem vida e são minhas amigas”, conta.

Tendência contemporânea – Apesar de cada vez mais jovens de classe média optarem por fazer programa como forma de sustento, ser prostituta não se resume a deitar na cama com um homem ou mais pessoas quando o programa é grupal. Por trás do glamour impulsionado pela recompensa de dinheiro fácil está escondida uma vida de renúncias e sofrimento. Muitas delas, inclusive, correm risco de vida.

Da bagagem de 20 anos de profissão, Fátima carrega boas lembranças como as amizades que fez com outras garotas de programa. Da mesma forma como nunca esqueceu os maus momentos com direito a apanhar da polícia ou de clientes mais exaltados, fora as vezes em que se sentiu humilhada na rotina fora dos bordeis. Tudo isso sem contar a difícil relação que a maior parte das prostitutas têm com cafetões, os agenciadores dos programas.

Para se proteger dos percalços do ofício, quem troca sexo por dinheiro acaba estabelecendo uma relação de cumplicidade com outras colegas. “Nunca vou esquecer o dia em que salvei minha amiga. Estávamos num hotel, cada uma em um quarto com dois clientes. De repente ouvi gritos tenebrosos, era a minha amiga sendo espancada. Saí nua, atravessei o corredor às pressas e invadi o quarto. Por pouco ela não morreu”, conta Fátima. A garota foi agredida porque se recusou a ficar com o cliente além do tempo estabelecido antes do encontro sem receber a mais por isso.

Apesar de não exercer mais o ofício, Fátima ainda sustenta uma postura bastante vaidosa. “Estou fora do ofício, mas uso manequim 42 e tenho barriga sarada”, diz, ao exibir silhueta enxuta. Para ela, mais difícil do que encarar clientes desagradáveis é carregar o fardo de ser prostituta. “A sociedade não reconhece, descrimina, é uma sub-classe. As pessoas não enxergam prostitutas com respeito, isso é inegável. Agora temos uma rádio”, resume.

Questionada sobre a inesgotável polêmica de fazer programa por prazer ou por necessidade, Fátima foi taxativa: “Gozar é bom, ganhar dinheiro com isso é melhor ainda. Transar é uma maravilha, tem algo melhor que isso?”.

Programas por R$ 500 – O faturamento mensal de uma prostituta é incerto. Depende do nível social a que pertence e dos ambientes que freqüenta. A aparência física e escolaridade também somam para faturar um cachê mais alto. Lucra mais quem foge dos cafetões.

“Numa boate de luxo, passo a noite com um cliente por R$ 500. Só que metade do dinheiro entrego para o cafetão, é como se eu estivesse alugando o espaço para me exibir”, explica a universitária Joana*, 26, que faz programa há seis anos em Salvador e no interior da Bahia.

Por esse motivo, muitos garotos e garotas de programa da cidade optaram por utilizar o Orkut, maior site de relacionamentos da Internet, onde é possível exibir portifólio com fotos e agendar os programas sem o intermédio de terceiros como mostrou a reportagem do A Tarde On Line em janeiro.

A virada do século XXI trouxe mudanças consideráveis para o universo das prostitutas. Alguns países do Primeiro Mundo passaram adotar leis que reconhecem a prostituição como negócio.

Em 2003, Bélgica e Nova Zelândia legalizaram a atividade em bordéis assim como ocorreu na Holanda e na Alemanha três anos antes. Mas vale ressaltar que para exercer o ofício é preciso ter mais de 18 anos. Nos Estados Unidos, a prostituição é legal apenas no estado de Nevada, enquanto que na Austrália é permitida em Sydney. Nestes países, as prostitutas passaram a ter os mesmos direitos de qualquer trabalhador: carteira assinada, plano de saúde e aposentadoria. Em contrapartida, têm taxa descontada na previdência e também pagam imposto de renda.

No Brasil, de acordo com o capítulo 5 do Código Penal [artigos 227 a 231], a prostituição não é considerada crime, porém é ilegal incitar a exploração de mulheres que fazem programas sobretudo se forem menores de idade.

(*) Nome fictício

Tássia Novaes é jornalista em Salvador e autorizou a publicação da matéria na Agência Centralsul de Notícias.

LEIA TAMBÉM

Deixe um comentário

O seu endereço de e-mail não será publicado. Campos obrigatórios são marcados com *

Adicione o texto do seu título aqui

Lorem ipsum dolor sit amet, consectetur adipiscing elit. Ut elit tellus, luctus nec ullamcorper mattis, pulvinar dapibus leo.


 Elas estão cansadas de não ser ouvidas. Não agüentam mais desrespeito e humilhação. Indignadas, fazem questão de dizer em alto e bom som: “somos profissionais”. O grito unânime vem do peito de mais de três mil prostitutas que residem em Salvador. Membros da Associação das Prostitutas da Bahia (Aprosba), elas comemoram a mais nova conquista: a concessão de um canal FM estabelecida por meio de um convênio com o Ministério da Cultura.

 

“Será uma rádio como outra qualquer, com bastante música, programas e propaganda. A diferença é que será feita por prostitutas”, explica Fátima Medeiros coordenadora-geral da Aprosba. Ainda sem estrutura editorial e recursos técnicos definidos, a mais nova rádio da cidade [sem nome por enquanto] surge como um instrumento de expressão de uma das classes mais excluídas na sociedade contemporânea. “É muito fácil ser agredida, difícil é ser ouvida, precisamos ficar unidas”, diz.

À frente do projeto, cujo primeiro programa deve ir ao ar apenas em agosto, está um grupo de mulheres que apostam no sucesso do empreendimento, apesar da pequena experiência na área. “Entendemos de sexo, agora precisamos de profissionais de comunicação, estamos recebendo currículo dos interessados”, completa.

Localizada no fim de linha da Praça da Sé, a pequena sala número 4 do edifício Bonfim será reformada nos próximos meses para comportar um pequeno estúdio de rádio. Recentemente, técnicos do Ministério da Cultura estiveram no local para configurar o espaço onde serão instalados os aparelhos. Outros detalhes serão acertados ao longo dos próximos meses. Entre os planos editoriais está a proposta de montar uma rádio novela. "Com histórias baseadas em fatos reais", diz Fátima.

Prostitutas, sim! – Diferente do que os mais recatados podem imaginar, o termo profissionais do sexo não é bem visto pela coordenadora-geral da Aprosba. “È muito abrangente, lutamos para que as pessoas compreendam e usem a palavra ‘prostituta’ sem um estigma pejorativo”, explica Fátima.

Prostituta assumida, três vezes casada e mãe de duas filhas, Fátima luta há dez anos para estabelecer uma unidade na classe. A Aprosba atua como parceira das profissionais cadastradas e oferece suporte psicológio, orientação de saúde com campanhas de prevenção, além de interferir juridicamente em casos mais graves, isso quando a vítima permite.

“Quando começamos o trabalho há oito anos, foi muito difícil. Recebíamos muitos casos de violência contra as meninas [forma como as prostitutas chamam as colegas] e, por medo, a maioria não queria denunciar”, lembra.

Aos 38 anos, Fátima garante que não faz mais programa, mas não por opção. É que a carreira de prostituta tem curto tempo de duração. Os clientes dão preferência a mulheres entre 18 e 30 anos. “Sou coroa, minha idade não permite mais. Agora vou às boates para conversar com as meninas que fazem vida e são minhas amigas”, conta.

Tendência contemporânea – Apesar de cada vez mais jovens de classe média optarem por fazer programa como forma de sustento, ser prostituta não se resume a deitar na cama com um homem ou mais pessoas quando o programa é grupal. Por trás do glamour impulsionado pela recompensa de dinheiro fácil está escondida uma vida de renúncias e sofrimento. Muitas delas, inclusive, correm risco de vida.

Da bagagem de 20 anos de profissão, Fátima carrega boas lembranças como as amizades que fez com outras garotas de programa. Da mesma forma como nunca esqueceu os maus momentos com direito a apanhar da polícia ou de clientes mais exaltados, fora as vezes em que se sentiu humilhada na rotina fora dos bordeis. Tudo isso sem contar a difícil relação que a maior parte das prostitutas têm com cafetões, os agenciadores dos programas.

Para se proteger dos percalços do ofício, quem troca sexo por dinheiro acaba estabelecendo uma relação de cumplicidade com outras colegas. “Nunca vou esquecer o dia em que salvei minha amiga. Estávamos num hotel, cada uma em um quarto com dois clientes. De repente ouvi gritos tenebrosos, era a minha amiga sendo espancada. Saí nua, atravessei o corredor às pressas e invadi o quarto. Por pouco ela não morreu”, conta Fátima. A garota foi agredida porque se recusou a ficar com o cliente além do tempo estabelecido antes do encontro sem receber a mais por isso.

Apesar de não exercer mais o ofício, Fátima ainda sustenta uma postura bastante vaidosa. “Estou fora do ofício, mas uso manequim 42 e tenho barriga sarada”, diz, ao exibir silhueta enxuta. Para ela, mais difícil do que encarar clientes desagradáveis é carregar o fardo de ser prostituta. “A sociedade não reconhece, descrimina, é uma sub-classe. As pessoas não enxergam prostitutas com respeito, isso é inegável. Agora temos uma rádio”, resume.

Questionada sobre a inesgotável polêmica de fazer programa por prazer ou por necessidade, Fátima foi taxativa: “Gozar é bom, ganhar dinheiro com isso é melhor ainda. Transar é uma maravilha, tem algo melhor que isso?”.

Programas por R$ 500 – O faturamento mensal de uma prostituta é incerto. Depende do nível social a que pertence e dos ambientes que freqüenta. A aparência física e escolaridade também somam para faturar um cachê mais alto. Lucra mais quem foge dos cafetões.

“Numa boate de luxo, passo a noite com um cliente por R$ 500. Só que metade do dinheiro entrego para o cafetão, é como se eu estivesse alugando o espaço para me exibir”, explica a universitária Joana*, 26, que faz programa há seis anos em Salvador e no interior da Bahia.

Por esse motivo, muitos garotos e garotas de programa da cidade optaram por utilizar o Orkut, maior site de relacionamentos da Internet, onde é possível exibir portifólio com fotos e agendar os programas sem o intermédio de terceiros como mostrou a reportagem do A Tarde On Line em janeiro.

A virada do século XXI trouxe mudanças consideráveis para o universo das prostitutas. Alguns países do Primeiro Mundo passaram adotar leis que reconhecem a prostituição como negócio.

Em 2003, Bélgica e Nova Zelândia legalizaram a atividade em bordéis assim como ocorreu na Holanda e na Alemanha três anos antes. Mas vale ressaltar que para exercer o ofício é preciso ter mais de 18 anos. Nos Estados Unidos, a prostituição é legal apenas no estado de Nevada, enquanto que na Austrália é permitida em Sydney. Nestes países, as prostitutas passaram a ter os mesmos direitos de qualquer trabalhador: carteira assinada, plano de saúde e aposentadoria. Em contrapartida, têm taxa descontada na previdência e também pagam imposto de renda.

No Brasil, de acordo com o capítulo 5 do Código Penal [artigos 227 a 231], a prostituição não é considerada crime, porém é ilegal incitar a exploração de mulheres que fazem programas sobretudo se forem menores de idade.

(*) Nome fictício

Tássia Novaes é jornalista em Salvador e autorizou a publicação da matéria na Agência Centralsul de Notícias.