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Karam destaca os dilemas éticos do jornalismo atual

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Francisco Karam (primeiro da esquerda para a direita) destaca os prejuízos do jornalismo quando é feito por empresas que foram abarcadas por corporações com negócios em outros segmentos (Foto: Eduarda Garcia/Especial Multijor)

O Colóquio 100/20 Jornalismo na era da internet, realizado na última quinta-feira (12), no Theatro Treze de Maio, contou com a presença de grandes nomes da área para uma conversa sobre o futuro do fazer jornalístico. Ocorreram duas mesas mediadas pelo repórter Marcelo Canellas, do Fantástico. O evento foi organizado pela TV Ovo, que completou 20 anos de existência, pelo Curso de Jornalismo do Centro Universitário Franciscano e pelo Programa de Pós-Graduação em Comunicação da UFSM.

A primeira mesa teve início às 16h e debateu “Novas plataformas, debate público e agendamento na era da internet”. A sessão contou com o conhecimento de Francisco Karam, professor de Jornalismo da UFSC e especialista em ética jornalística. Após o bate-papo com o público, Karam conversou com as alunas Caroline Comassetto e Geórgia Fröhlich. Os melhores trechos desta entrevista estão a seguir.

Sobre o seu livro “Jornalismo, Ética e Liberdade”, acreditamos que esses três fatores são prioridades no fazer jornalístico. No momento atual, falta algum desses aspectos?

Francisco Karam – O jornalismo sempre se propôs ao esclarecimento do público imediato, então desenvolve técnica ética e estética para isso. Aí surge uma figura contemporânea que é o repórter. Ele é o selo de credibilidade, ele apura e ouve. Depois disso se transforma em um processo de edição, é uma parte do processo, uma engrenagem. Mas nos últimos anos, nas últimas décadas, o que a gente associa é qual é a autonomia para isso? Nos últimos 30, 40 anos, as empresas gradativamente foram se associando a empresas de fora da mídia para sobreviver e, no entanto, essas empresas, por serem acionistas, acabam influenciando, na agenda e na pauta. Se houvesse um equilíbrio dava para tolerar, porque é uma necessidade de interesse. Mas o que ocorre é que estão se sobrepondo os interesses particulares dos acionistas e o desequilíbrio está muito grande. Então, nesse aspecto, os valores éticos, defendidos tanto pelas empresas como pelos jornalistas, que existe nos códigos, acaba muitas vezes sendo esquecido. Como cobrir uma guerra com isenção se a empresa é sócia ou é dona de uma empresa de armamento, que fornece armas para a guerra e tem interesse na guerra? É o que acontece muito com empresas europeias associadas a empresas que financiam a guerra no Oriente Médio. É um problema, uma contradição. O jornalista que faz o trabalho de luta acaba que muitas vezes não consegue ver o produto final. Ele acaba vítima também.

O jornalismo começou com o intuito de liberdade de expressão. Mas com as redes sociais e com o financiamento de empresas de fora da mídia, dá para chamar esse processo de privatização do jornalismo?

Karam – Eu acho que há muitos interesses particulares no jornalismo. E, muitas vezes, ele  (o jornalismo) abriu mão desse papel investigativo e terceirizou isso. Então, vive de fontes muitas vezes daqueles acionistas que produzem essas informações e saem, seja por colunistas ou por matérias, inclusive nas investigações da Policia Federal e do Ministério Público, porque é uma informação de segunda mão, não é ele que faz, ele faz encima da investigação feita por outros poderes, reduz o papel do repórter, passa a ser um porta-voz, da investigação feita por outros. Essa é uma tendência que está crescendo muito. Então, às vezes, eu vejo melhores reportagens na TV Câmara ou TV Senado, do que numa grande rede e também é um meio de trabalho dos profissionais, porque as vezes têm mais liberdade e ganham muito melhor. Claro que tem interesse também ali, mas quando tu colocas uma TV Senado, TV Câmara, tens um escopo ideológico mais variado, consegue fazer matérias mais de fundo, tipo a TV Justiça. Essas possibilidades aumentaram, só que tem um limite. O limite é onde está o interesse das pessoas de se informarem e compreenderem de manterem a atenção em um período de 24 horas. Isso depende de profissionalizar, de manter a luta pela profissão, depende de criar um público capaz de se interessar.

A internet é um meio em que qualquer anônimo pode falar o que pensa e criar debates públicos. Isso torna a internet um meio democrático?

Karam – Ele é democrático no sentido em que podemos fazer de tudo com ele enquanto não houver controle. Mas também é um mecanismo que pode acentuar tanto a democracia quanto o fascismo. Por exemplo, o Bolsonaro tem uma legião de seguidores, e aí vão repercutindo determinadas coisas e vai criando grupos. Por isso que eu acho que os meios tradicionais são muito importantes. Porque nas redes sociais há muita porcaria também. Claro que aqui vocês sabem mais ou menos por onde ir. Só que tem gente que acredita em qualquer coisa.

Caroline Comassetto e Geórgia Fröhlich para a disciplina de Jornalismo Digital I

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Francisco Karam (primeiro da esquerda para a direita) destaca os prejuízos do jornalismo quando é feito por empresas que foram abarcadas por corporações com negócios em outros segmentos (Foto: Eduarda Garcia/Especial Multijor)

O Colóquio 100/20 Jornalismo na era da internet, realizado na última quinta-feira (12), no Theatro Treze de Maio, contou com a presença de grandes nomes da área para uma conversa sobre o futuro do fazer jornalístico. Ocorreram duas mesas mediadas pelo repórter Marcelo Canellas, do Fantástico. O evento foi organizado pela TV Ovo, que completou 20 anos de existência, pelo Curso de Jornalismo do Centro Universitário Franciscano e pelo Programa de Pós-Graduação em Comunicação da UFSM.

A primeira mesa teve início às 16h e debateu “Novas plataformas, debate público e agendamento na era da internet”. A sessão contou com o conhecimento de Francisco Karam, professor de Jornalismo da UFSC e especialista em ética jornalística. Após o bate-papo com o público, Karam conversou com as alunas Caroline Comassetto e Geórgia Fröhlich. Os melhores trechos desta entrevista estão a seguir.

Sobre o seu livro “Jornalismo, Ética e Liberdade”, acreditamos que esses três fatores são prioridades no fazer jornalístico. No momento atual, falta algum desses aspectos?

Francisco Karam – O jornalismo sempre se propôs ao esclarecimento do público imediato, então desenvolve técnica ética e estética para isso. Aí surge uma figura contemporânea que é o repórter. Ele é o selo de credibilidade, ele apura e ouve. Depois disso se transforma em um processo de edição, é uma parte do processo, uma engrenagem. Mas nos últimos anos, nas últimas décadas, o que a gente associa é qual é a autonomia para isso? Nos últimos 30, 40 anos, as empresas gradativamente foram se associando a empresas de fora da mídia para sobreviver e, no entanto, essas empresas, por serem acionistas, acabam influenciando, na agenda e na pauta. Se houvesse um equilíbrio dava para tolerar, porque é uma necessidade de interesse. Mas o que ocorre é que estão se sobrepondo os interesses particulares dos acionistas e o desequilíbrio está muito grande. Então, nesse aspecto, os valores éticos, defendidos tanto pelas empresas como pelos jornalistas, que existe nos códigos, acaba muitas vezes sendo esquecido. Como cobrir uma guerra com isenção se a empresa é sócia ou é dona de uma empresa de armamento, que fornece armas para a guerra e tem interesse na guerra? É o que acontece muito com empresas europeias associadas a empresas que financiam a guerra no Oriente Médio. É um problema, uma contradição. O jornalista que faz o trabalho de luta acaba que muitas vezes não consegue ver o produto final. Ele acaba vítima também.

O jornalismo começou com o intuito de liberdade de expressão. Mas com as redes sociais e com o financiamento de empresas de fora da mídia, dá para chamar esse processo de privatização do jornalismo?

Karam – Eu acho que há muitos interesses particulares no jornalismo. E, muitas vezes, ele  (o jornalismo) abriu mão desse papel investigativo e terceirizou isso. Então, vive de fontes muitas vezes daqueles acionistas que produzem essas informações e saem, seja por colunistas ou por matérias, inclusive nas investigações da Policia Federal e do Ministério Público, porque é uma informação de segunda mão, não é ele que faz, ele faz encima da investigação feita por outros poderes, reduz o papel do repórter, passa a ser um porta-voz, da investigação feita por outros. Essa é uma tendência que está crescendo muito. Então, às vezes, eu vejo melhores reportagens na TV Câmara ou TV Senado, do que numa grande rede e também é um meio de trabalho dos profissionais, porque as vezes têm mais liberdade e ganham muito melhor. Claro que tem interesse também ali, mas quando tu colocas uma TV Senado, TV Câmara, tens um escopo ideológico mais variado, consegue fazer matérias mais de fundo, tipo a TV Justiça. Essas possibilidades aumentaram, só que tem um limite. O limite é onde está o interesse das pessoas de se informarem e compreenderem de manterem a atenção em um período de 24 horas. Isso depende de profissionalizar, de manter a luta pela profissão, depende de criar um público capaz de se interessar.

A internet é um meio em que qualquer anônimo pode falar o que pensa e criar debates públicos. Isso torna a internet um meio democrático?

Karam – Ele é democrático no sentido em que podemos fazer de tudo com ele enquanto não houver controle. Mas também é um mecanismo que pode acentuar tanto a democracia quanto o fascismo. Por exemplo, o Bolsonaro tem uma legião de seguidores, e aí vão repercutindo determinadas coisas e vai criando grupos. Por isso que eu acho que os meios tradicionais são muito importantes. Porque nas redes sociais há muita porcaria também. Claro que aqui vocês sabem mais ou menos por onde ir. Só que tem gente que acredita em qualquer coisa.

Caroline Comassetto e Geórgia Fröhlich para a disciplina de Jornalismo Digital I