A orientação sexual é algo pessoal, uma escolha de cada um, mas, caso não se encaixe no que os padrões heteronormativos, ela encontra barreiras em diferentes níveis de convívio, desde a família nuclear até a sociedade como um todo. Hoje vivemos tempos em que discursos de ódio, atos homofóbicos, transfóbicos e violência contra pessoas LGBTs acontecem todos os dias a céu aberto em nosso país.
Em setembro desse ano, dois casos de assassinato de mulheres transgêneras em menos de 24 horas em nossa cidade levantaram novamente a discussão sobre crimes motivados por homofobia e transfobia. O primeiro desses casos foi o de uma vítima de 27 anos, morta a tiros na esquina da Avenida Presidente Vargas com a Avenida Borges de Medeiros. A segunda, de 37, foi morta com 13 facadas, no bairro Tancredo Neves.
Uma pesquisa conjunta realizada em 2012 pela professora Martha Souza, doutora em Ciências pela USP, e pelo professor Pedro Paulo Pereira, doutor em Antropologia pela UnB, acompanhou a trajetória de 49 travestis residentes em Santa Maria para verificar como é a busca por cuidados médicos na rede de saúde da cidade. A pesquisa traz diversos relatos dessa população, entre eles a marginalização que as travestis sofrem, inclusive com uma tentativa de homicídio com travestis gêmeas. As irmãs contam que saíram com dois homens e quando eles notaram que se tratava de duas travestis, elas foram espancadas com alicate e chave de fenda. Quando pediram socorro para a segurança de uma boate, foram chamadas de bandidas e encaminhadas para a delegacia junto com os homens. “Mesmo com testemunha, acabamos como bandidas. Ninguém acredita em travesti. Depois, precisamos ir até o serviço de saúde. […] Mesmo explicando que estava doendo muito, não deram remédio”, conta Whitney, uma das irmãs, com 22 anos na época. Há especulações de que os crimes foram por motivos fúteis ou tentativa de estupro, descartando a transfobia. Mas, analisando os dados do Brasil, pode-se concluir que não se trata apenas de motivos fúteis.
Segundo o Grupo Gay da Bahia (GGB) – entidade que há 39 anos registra dados de violência contra LGBTs no Brasil – ano passado foram computadas 420 mortes no país. Delas, 76% foram homicídios e 24% suicídios, uma morte a cada 16 horas no País. Os números colocam o Brasil no ranking dos países que mais mata LGBTs no mundo. Já de acordo com Julio Pinheiro Cardia, ex-coordenador da Diretoria de Promoção dos Direitos LGBT do Ministério dos Direitos Humanos, 8.027 pessoas LGBT’s foram mortas no país entre 1963 e 2018 em razão de orientação sexual ou identidade de gênero. Entre 2011 e 2018, foram 16.326 casos relatando 26.938 violações. No ano passado, por exemplo, 667 pessoas ligaram para o governo alegando ter sofrido violência física. É menos do que as 864 denúncias de 2017, mas superior às 561 de 2016. O canal também registrou 1.871 acusações de violência psicológica sofridas por LGBTs no ano passado, número maior apenas do que em 2011, quando 1.647 pessoas fizeram denúncias. Ainda em 2018, 170 pessoas teriam sofrido alguma violência em razão de sua identidade de gênero. Em 2017, foram 258; em 2016, 184; e, em 2015, foram 220 denúncias. A violência física sofrida pela comunidade LGBT continua como uma das acusações mais frequentes: 667 no ano passado, contra 864 em 2017 e 561 em 2016.
De acordo com a Transgender Europe, com sede na Alemanha, os dados sobre pessoas trans assassinadas não são especificados em grande parte dos países, o que impossibilita uma estimativa real do número de casos. Para Jackeline Romio, doutora em Demografia pela Universidade Estadual de Campinas (Unicamp), é necessário que os registros de homicídios contra a população trans tenham uma identificação para possibilitar um diagnóstico de suas causas com base em informações mais realistas.
A violência LGBTIfóbica no Brasil em uma semana (27/05 a 03/06/2019):
– 5 Travestis Assassinadas (tiros, pauladas, espancamento, corpo incendiado)
– Lésbica encontrada morta com sinais de espancamento e violência sexual
– Homem gay encontrado morto em matagal com sinais de espancamento
– Homem trans vitima de estupro corretivo
– Mulher trans internada compulsoriamente pela família
– Homem trans se suicida (assassinato social).
– Diversos ataques homofóbicos
– Psicólogos a favor da ”Cura-gay” lançam candidatura no CFP
Entre 1º de outubro de 2017 e 30 de setembro de 2018, 167 transexuais foram mortos no Brasil. A pesquisa, feita em 72 países, classificou o México em segundo lugar, com 71 vítimas, seguido pelos Estados Unidos, com 28, e Colômbia, 21. A organização contabilizou um total de 369 homicídios de transexuais e indivíduos não-binários, indicando um aumento de 44 casos em comparação com a pesquisa do ano passado e de 74 casos com relação a 2016. No Brasil, foram contabilizadas 171 mortes, em 2017, e 136, em 2016. Em ambas situações, o país ocupou o primeiro lugar no ranking.
O Supremo Tribunal Federal (STF) determinou que discriminação por orientação sexual e identidade de gênero é crime no Brasil. Os ministros determinaram que a conduta passe a ser punida pela Lei de Racismo (7716/89) que atualmente é um crime inafiançável e imprescritível. O dia 17 de maio é marcado como o dia Mundial da luta contra a Homofobia. A data foi escolhida porque em 17 de maio de 1990, após pressão da comunidade LGBT, a Organização Mundial da Saúde (OMS) excluiu a homossexualidade da Classificação Internacional de Doenças (CID). No Brasil, a data foi instituída por meio de decreto presidencial do então presidente Luiz Inácio Lula da Silva. Nos estados em que não há delegacias especializadas, as denúncias podem ser feitas pelo 190 (número da Polícia Militar) e pelo Disque 100 (Departamento de Ouvidoria Nacional dos Direitos Humanos).
*Texto produzido por Guilherme Superti e Caroline Scremin, para a disciplina Jornalismo Investigativo, do Curso de Jornalismo da Universidade Franciscana, durante o 2º semestre de 2019. Orientação: Professora Carla Torres.