Patrimônio público e valor cultural: preservação e acesso
A construção da cidade de Santa Maria fomentou a formação do principal meio ferroviário no interior do Estado. Por toda a sua história, a existência da Vila Belga causou impacto na vida econômica e social local, devido a sua expansão, à medida que a cidade também se desenvolveu. Mas, pensar nessa questão Férrea possibilita repensar diversos movimentos que marcaram a vida socioeconômica e cultural da cidade. A Vila Belga que é esse conjunto residencial construído inicialmente para funcionários de uma empresa, ao longo dos anos sofreu acréscimos, como demais habitações próximas. Ela ainda representa o período fundamental na história de Santa Maria, considerado um monumento digno de ser preservado e reconhecido pela população. Do mesmo modo, o conjunto onde está inserida, conhecido como a “Mancha Ferroviária de Santa Maria”, e que engloba a Estação Férrea, as construções de apoio, as oficinas, o largo da estação até a Escola Manoel Ribas, entre outros pontos.
O início da construção da Vila Belga foi em 1901 e sobre sua conclusão e inauguração há divergências quanto à data. Já na década de 1980, houve uma diminuição significativa da atividade ferroviária e o tráfego de passageiros foi praticamente extinto. Por isso, a região em torno à estação entrou em decadência, processo que só começou a ser revertido nos últimos anos, com alguns projetos públicos para o local, algumas iniciativas privadas pontuais e o tombamento do sítio ferroviário, que incluiu a Vila Belga, no ano 2000.
Somente em 1982, o Município estabeleceu a lei de proteção do Patrimônio Histórico e Cultural do Município de Santa Maria(01) que em sequência, em 1996 ao tombamento provisório da vila(02) e ao projeto considera o complexo da Viação Férrea de Santa Maria como patrimônio histórico e cultural (03). Em 1997 é feito o tombamento municipal da Vila Belga(04) e, em setembro do mesmo ano, as casas são vendidas em leilão público pela Rede Ferroviária Federal S.A para os moradores que adquirem a maioria das casas. Em 1998, o Curso de Arquitetura e Urbanismo da Universidade Federal de Santa Maria entrega à prefeitura a nova regulamentação sobre a vila, especificando os atos legais e os ilegais a partir de então.
Porém, agora estamos em 2019. Essa semana todo mundo assistiu ao vídeo que mostra duas pessoas incendiando o vagão histórico, na Estação Férrea. E a Vila Belga ainda é um conjunto significativo de memória e que vai além disso, pois as transformações do espaço público revelam também a experiência urbana. Antigamente apenas ferroviários residiam no lugar devido às condições da estruturais da cidade, mas hoje é uma região que mostra essas relações mundanas sociais, pois as pessoas ainda residem na localidade. A Vila em questão trata da memória social e da preservação do patrimônio, que compõe-se de 80 unidades residenciais agrupadas duas a duas -um conjunto arquitetônico importante não apenas para a cidade, mas para a região como um todo.
É muito triste pensar que alguém (mesmo que seja um número pequeno de indivíduos) enxerga esse local apenas como um número da idade do tempo que passa, ou como um sinônimo de abandono (das pessoas, do interesse, do poder público) em si, e que deixa essa possibilidade de prioridade dos usos cotidianos e públicos dos espaços de patrimônio da cidade jogado, esquecendo que são justamente nesses espaços há uma conscientização de preservação, de valorização e de troca de conhecimentos e atrações culturais, e da democratização de acesso de todos os indivíduos que aqui residem, ou, então, daqueles que podem ocupar estes lugares.
(01) Lei Municipal nº 2.255 de 25 de maio de 1982. Dispõe sobre a proteção do Patrimônio Histórico e Cultural do Município de Santa Maria.
(02) PREFEITURA MUNICIPAL DE SANTA MARIA: UNIVERSIDADE FEDERAL DE SANTA MARIA. 1996. Processo de Tombamento da Vila Belga. Santa Maria.
(03) Lei Municipal nº 4.009 de novembro de 1996. Considera Patrimônio Histórico e Cultural Municipal o complexo da Viação Férrea de Santa Maria.
(04) Decreto Executivo nº 161 de 8 de agosto de 1997. Tombamento Municipal da Vila Belga.
Julia Trombini é jornalista escorpiana egressa da UFN. Fez parte da equipe do LabFem (Laboratório de Fotografia e Memória) como repórter fotográfica. Trabalhou também com diagramação, assessoria de imprensa e produção de conteúdo. Tem interesse em fotografia, audiovisual e temas de resistência política.