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Santa Maria, RS, Brazil

O mundo está ficando de cabelos brancos

Quanto mais adiamos pensar na velhice, mais perto dela ficamos sem nos preparar (Imagem: Getty Images)

Se tornar velho é um processo que traz novidades. Por mais óbvio que possa parecer esse raciocínio, confesso que, particularmente, apenas me dei conta disso há pouco tempo. De alguma forma, sempre enxerguei meus avós ocupando este espaço: o de avós e de pessoas idosas. Recentemente, após tentar argumentar mais uma vez com meu avô sobre algumas mudanças que seriam necessárias na rotina dele, ouvi um desabafo. Somente ali percebi que eu estava tentando impor algo sem levar em consideração que, para ele, aquilo não era tão simples e natural quanto eu, millennium apressada e ansiosa, pensava ser. 

Para meu avô, assim como para outras pessoas que chegam à terceira idade, envelhecer carrega complexidades. Ocupação de um novo espaço, aceitação, crises, dúvidas, reconhecimento também fazem parte desse processo. Há alguns anos, chegar a velhice era um privilégio; hoje é uma realidade desafiadora. Diferentes recortes sociais, econômicos, culturais e de saúde cobram das esferas familiar e pública ações de atenção a essa faixa etária. Como vamos viver a velhice dos nossos pais, tios, avós? Como vamos viver a nossa velhice?  O mundo está ficando de cabelos brancos e o que vamos fazer em relação a isso?

A realidade evidencia que a pirâmide etária do mundo passa por uma inversão. Conforme projeções divulgadas pela Organização das Nações Unidas (ONU), o mundo dobrará o número de pessoas com 60 anos ou mais até 2030. A entidade afirma que a população idosa é a que apresenta um crescimento mais rápido entre todos ou demais grupos, correspondendo a um avanço de 3% ao ano. Esse aumento no número de pessoas na terceira idade está ligado a dois principais fatores: a queda no número de natalidade e o progresso da medicina.

No que diz respeito ao primeiro aspecto, há uma relação de proporcionalidade entre o aumento da porção de idosos e a redução da taxa de natalidade, pois enquanto o número de crianças diminui, a população segue em desenvolvimento e envelhecendo. Esse encolhimento do índice de nascimento é fruto de uma mudança de estilo de vida da população mundial ao longo das últimas décadas. 

A saída das famílias do campo para a cidade impactou a rotina e o modelo das famílias tradicionais. Urbanização da população, aumento no número de ingresso nas áreas trabalhistas fora do lar, expansão do mercado, maiores jornadas de trabalho e a conquista do espaço da mulher nos negócios diminuiu a disponibilidade de tempo para o cuidado com os filhos. A prioridade das gerações atuais se volta mais para o desenvolvimento pessoal e profissional, os paradigmas em relação à constituição de família mudaram. Além disso, a evolução dos métodos contraceptivos permitiu organização e planejamento para a chegada de uma criança.[dropshadowbox align=”none” effect=”lifted-both” width=”auto” height=”” background_color=”#ffffff” border_width=”1″ border_color=”#dddddd” ]Há alguns anos a ONU já promove ações que visam discutir e pensar estratégias para uma melhoria na qualidade de vida da população idosa. Em 1982 foi realizada a primeira Assembleia Mundial sobre o Envelhecimento, na Áustria, que gerou o Plano de Ação para o Envelhecimento. O documento foi composto por 66 recomendações para os países membros da organização, com o objetivo de proporcionar o bem estar da terceira idade. [/dropshadowbox]

Ainda em relação a métodos e medicamentos, o segundo fator de destaque para o aumento significativo no número de idosos é a evolução da farmacologia e dos avanços tecnológicos na área da saúde. A velhice traz com ela alterações das funcionalidades, sendo comum nessa faixa etária doenças crônicas múltiplas, mas que encontra nas novas descobertas na ciência e com a o desenvolvimento de novas tecnologias ferramentas para o controle das doenças e prolongamento da vida. Contudo, a promoção de serviços básicos de saúde ainda não supre a demanda crescente. A população que inspira maior atenção ainda enfrenta escassez ou restrição de recursos.

As problemáticas enfrentadas ligadas ao acesso a serviços e medicamentos estão dentro de uma questão maior, a relação teoria e prática. Há alguns anos a ONU já promove ações que visam discutir e pensar estratégias para uma melhoria na qualidade de vida da população idosa. Em 1982 foi realizada a primeira Assembleia Mundial sobre o Envelhecimento, na Áustria, que gerou o Plano de Ação para o Envelhecimento. O documento foi composto por 66 recomendações para os países membros da organização, com o objetivo de proporcionar o bem estar da terceira idade. 

Em 2002, a II Assembleia Mundial Sobre o Envelhecimento foi realizada na Espanha. O segundo encontro atualizou o Plano de Ação para o Envelhecimento, exigindo não apenas dos chefes de Estado, mas da sociedade em geral, o comprometimento com a readequação à realidade demográfica e com investimento na implementação de políticas para o envelhecimento.

No Brasil, programas foram desenvolvidos a fim de criar normas e garantir direitos sociais para a terceira idade, entre eles a Política Nacional do Idoso, de 1994 – criada a partir das recomendações da ONU -, e o Estatuto do Idoso, em 2003. Os documentos são importantes ferramentas para a aplicação de estratégias nos âmbitos econômico, social e cultural. Contudo, é possível observar que o país ainda não trata com prioridade essa questão. As diretrizes assinadas não demonstram tanta efetividade frente a uma realidade cada vez mais emergente.

[dropshadowbox align=”none” effect=”lifted-both” width=”auto” height=”” background_color=”#ffffff” border_width=”1″ border_color=”#dddddd” ]Conforme dados divulgados pelo Ministério da Mulher, da Família e dos Direitos Humanos (MMFDH), o disque 100 recebeu mais de 37 mil denúncias no ano passado. Isso significa que o número de casos de violência contra idosos é ainda maior, levando em consideração que há casos não denunciados. Negligência, violência psicológica, abuso financeiro e violência física são os tipos de agressões mais comuns.[/dropshadowbox]

Sem um suporte de qualidade do Estado, os idosos também enfrentam a falta de preparo familiar com a velhice. A nossa sociedade, como já dito anteriormente, não pensa e discute sobre o envelhecer. No dia a dia, a convivência com familiares idosos indica que falta uma educação voltada a compreender esse processo tão natural. Em casos, infelizmente, não tão raros, a violência se faz presente nos lares dessa população. Conforme dados divulgados pelo Ministério da Mulher, da Família e dos Direitos Humanos (MMFDH), o disque 100 recebeu mais de 37 mil denúncias no ano passado. Isso significa que o número de casos de violência contra idosos é ainda maior, levando em consideração que há casos não denunciados. 

Negligência, violência psicológica, abuso financeiro e violência física são os tipos de agressões mais comuns. Mais da metade das ocorrências tem os filhos como culpados, correspondendo a 52,9%, sendo a casa o principal cenário das violações, com 78,35%.  Ainda que o documento divulgado pelo MMFDH não apresente as motivações dos casos, sem dúvidas é possível apontar a falta de humanidade e sensibilidade perante a esse grupo. Imersos em uma rotina que exige números, tempo, produção, compreender o envelhecimento se mostra fora de pauta. 

Envelhecer é uma ação natural. As alterações causadas pelo tempo indicam que estamos vivos, que o ciclo da vida transcorre normalmente. Ficar velho é um processo orgânico que atinge todos os indivíduos, mas que como tantos outros, evitamos dialogar e refletir. A ideia de ficar velho ronda nossos pensamentos quase de forma temerosa. Para começar, o termo “velho” carrega uma conotação negativa. A palavra é associada àquilo que não possui mais utilidade, que está ultrapassado. Ninguém quer um equipamento velho, uma roupa velha, um produto velho. Portanto, “ficar velho” ganhou um tom preocupante. Não estamos preparados para envelhecer, tampouco lidar com o envelhecimento de nossos familiares e pessoas próximas.

 

Paola Saldanha é egressa do curso de Jornalismo da UFN. Acredita em uma narrativa com protagonismo de diferentes vozes e espaços, uma leitura plural de vidas plurais

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Quanto mais adiamos pensar na velhice, mais perto dela ficamos sem nos preparar (Imagem: Getty Images)

Se tornar velho é um processo que traz novidades. Por mais óbvio que possa parecer esse raciocínio, confesso que, particularmente, apenas me dei conta disso há pouco tempo. De alguma forma, sempre enxerguei meus avós ocupando este espaço: o de avós e de pessoas idosas. Recentemente, após tentar argumentar mais uma vez com meu avô sobre algumas mudanças que seriam necessárias na rotina dele, ouvi um desabafo. Somente ali percebi que eu estava tentando impor algo sem levar em consideração que, para ele, aquilo não era tão simples e natural quanto eu, millennium apressada e ansiosa, pensava ser. 

Para meu avô, assim como para outras pessoas que chegam à terceira idade, envelhecer carrega complexidades. Ocupação de um novo espaço, aceitação, crises, dúvidas, reconhecimento também fazem parte desse processo. Há alguns anos, chegar a velhice era um privilégio; hoje é uma realidade desafiadora. Diferentes recortes sociais, econômicos, culturais e de saúde cobram das esferas familiar e pública ações de atenção a essa faixa etária. Como vamos viver a velhice dos nossos pais, tios, avós? Como vamos viver a nossa velhice?  O mundo está ficando de cabelos brancos e o que vamos fazer em relação a isso?

A realidade evidencia que a pirâmide etária do mundo passa por uma inversão. Conforme projeções divulgadas pela Organização das Nações Unidas (ONU), o mundo dobrará o número de pessoas com 60 anos ou mais até 2030. A entidade afirma que a população idosa é a que apresenta um crescimento mais rápido entre todos ou demais grupos, correspondendo a um avanço de 3% ao ano. Esse aumento no número de pessoas na terceira idade está ligado a dois principais fatores: a queda no número de natalidade e o progresso da medicina.

No que diz respeito ao primeiro aspecto, há uma relação de proporcionalidade entre o aumento da porção de idosos e a redução da taxa de natalidade, pois enquanto o número de crianças diminui, a população segue em desenvolvimento e envelhecendo. Esse encolhimento do índice de nascimento é fruto de uma mudança de estilo de vida da população mundial ao longo das últimas décadas. 

A saída das famílias do campo para a cidade impactou a rotina e o modelo das famílias tradicionais. Urbanização da população, aumento no número de ingresso nas áreas trabalhistas fora do lar, expansão do mercado, maiores jornadas de trabalho e a conquista do espaço da mulher nos negócios diminuiu a disponibilidade de tempo para o cuidado com os filhos. A prioridade das gerações atuais se volta mais para o desenvolvimento pessoal e profissional, os paradigmas em relação à constituição de família mudaram. Além disso, a evolução dos métodos contraceptivos permitiu organização e planejamento para a chegada de uma criança.[dropshadowbox align=”none” effect=”lifted-both” width=”auto” height=”” background_color=”#ffffff” border_width=”1″ border_color=”#dddddd” ]Há alguns anos a ONU já promove ações que visam discutir e pensar estratégias para uma melhoria na qualidade de vida da população idosa. Em 1982 foi realizada a primeira Assembleia Mundial sobre o Envelhecimento, na Áustria, que gerou o Plano de Ação para o Envelhecimento. O documento foi composto por 66 recomendações para os países membros da organização, com o objetivo de proporcionar o bem estar da terceira idade. [/dropshadowbox]

Ainda em relação a métodos e medicamentos, o segundo fator de destaque para o aumento significativo no número de idosos é a evolução da farmacologia e dos avanços tecnológicos na área da saúde. A velhice traz com ela alterações das funcionalidades, sendo comum nessa faixa etária doenças crônicas múltiplas, mas que encontra nas novas descobertas na ciência e com a o desenvolvimento de novas tecnologias ferramentas para o controle das doenças e prolongamento da vida. Contudo, a promoção de serviços básicos de saúde ainda não supre a demanda crescente. A população que inspira maior atenção ainda enfrenta escassez ou restrição de recursos.

As problemáticas enfrentadas ligadas ao acesso a serviços e medicamentos estão dentro de uma questão maior, a relação teoria e prática. Há alguns anos a ONU já promove ações que visam discutir e pensar estratégias para uma melhoria na qualidade de vida da população idosa. Em 1982 foi realizada a primeira Assembleia Mundial sobre o Envelhecimento, na Áustria, que gerou o Plano de Ação para o Envelhecimento. O documento foi composto por 66 recomendações para os países membros da organização, com o objetivo de proporcionar o bem estar da terceira idade. 

Em 2002, a II Assembleia Mundial Sobre o Envelhecimento foi realizada na Espanha. O segundo encontro atualizou o Plano de Ação para o Envelhecimento, exigindo não apenas dos chefes de Estado, mas da sociedade em geral, o comprometimento com a readequação à realidade demográfica e com investimento na implementação de políticas para o envelhecimento.

No Brasil, programas foram desenvolvidos a fim de criar normas e garantir direitos sociais para a terceira idade, entre eles a Política Nacional do Idoso, de 1994 – criada a partir das recomendações da ONU -, e o Estatuto do Idoso, em 2003. Os documentos são importantes ferramentas para a aplicação de estratégias nos âmbitos econômico, social e cultural. Contudo, é possível observar que o país ainda não trata com prioridade essa questão. As diretrizes assinadas não demonstram tanta efetividade frente a uma realidade cada vez mais emergente.

[dropshadowbox align=”none” effect=”lifted-both” width=”auto” height=”” background_color=”#ffffff” border_width=”1″ border_color=”#dddddd” ]Conforme dados divulgados pelo Ministério da Mulher, da Família e dos Direitos Humanos (MMFDH), o disque 100 recebeu mais de 37 mil denúncias no ano passado. Isso significa que o número de casos de violência contra idosos é ainda maior, levando em consideração que há casos não denunciados. Negligência, violência psicológica, abuso financeiro e violência física são os tipos de agressões mais comuns.[/dropshadowbox]

Sem um suporte de qualidade do Estado, os idosos também enfrentam a falta de preparo familiar com a velhice. A nossa sociedade, como já dito anteriormente, não pensa e discute sobre o envelhecer. No dia a dia, a convivência com familiares idosos indica que falta uma educação voltada a compreender esse processo tão natural. Em casos, infelizmente, não tão raros, a violência se faz presente nos lares dessa população. Conforme dados divulgados pelo Ministério da Mulher, da Família e dos Direitos Humanos (MMFDH), o disque 100 recebeu mais de 37 mil denúncias no ano passado. Isso significa que o número de casos de violência contra idosos é ainda maior, levando em consideração que há casos não denunciados. 

Negligência, violência psicológica, abuso financeiro e violência física são os tipos de agressões mais comuns. Mais da metade das ocorrências tem os filhos como culpados, correspondendo a 52,9%, sendo a casa o principal cenário das violações, com 78,35%.  Ainda que o documento divulgado pelo MMFDH não apresente as motivações dos casos, sem dúvidas é possível apontar a falta de humanidade e sensibilidade perante a esse grupo. Imersos em uma rotina que exige números, tempo, produção, compreender o envelhecimento se mostra fora de pauta. 

Envelhecer é uma ação natural. As alterações causadas pelo tempo indicam que estamos vivos, que o ciclo da vida transcorre normalmente. Ficar velho é um processo orgânico que atinge todos os indivíduos, mas que como tantos outros, evitamos dialogar e refletir. A ideia de ficar velho ronda nossos pensamentos quase de forma temerosa. Para começar, o termo “velho” carrega uma conotação negativa. A palavra é associada àquilo que não possui mais utilidade, que está ultrapassado. Ninguém quer um equipamento velho, uma roupa velha, um produto velho. Portanto, “ficar velho” ganhou um tom preocupante. Não estamos preparados para envelhecer, tampouco lidar com o envelhecimento de nossos familiares e pessoas próximas.

 

Paola Saldanha é egressa do curso de Jornalismo da UFN. Acredita em uma narrativa com protagonismo de diferentes vozes e espaços, uma leitura plural de vidas plurais