Uma forma de representatividade ganhou força nas eleições municipais de 2020. Apesar de não ser novidade, as Candidaturas Coletivas chamam atenção ao aproximar a população das tomadas de decisões, pautando maior legitimidade e aprimoramento da cultura política. No Brasil, ganharam expressão com a “Bancada Ativista”, que em 2018 conquistou uma cadeira na maior Assembleia Legislativa do país, e esse não é um mero detalhe: São Paulo é o maior estado da federação, o que naturalmente contribui para uma maior visibilidade. No interior do Rio Grande do Sul, ganharam proporção nas eleições de 2020, com candidaturas presentes na capital e no interior do estado, propondo a intervenção direta da população nas tomadas de decisões nos próximos quatro anos.
Mas como funciona um mandato coletivo? Bruna Gubiani, titular da Candidatura Coletiva pelo PCdoB, é presidente do DCE da UNIJUÍ, há 9 anos no movimento estudantil e acredita na política construída de forma coletiva. Para isso se uniu com Ana Carolina Monteiro, Luciana Bohrer, Tarcila Padilha e Etienne Raseira, quatro outras “co-candidatas”, de diferentes setores de atuação, que ingressaram no campo político pautadas pela responsabilidade social de participação popular. A ideia foi bem recebida na comunidade, apesar de ainda ser uma novidade para a maioria dos eleitores.
Pela constituição brasileira a candidatura é vista como um ato individual. Dessa forma, nem mandato e nem a candidatura coletiva existem oficialmente. Sendo assim, no modelo atual, as co-candidatas, se eleitas, participam no gabinete da parlamentar titular e lá atuam nos bastidores, nas discussões e debates políticos, além de reforçarem os elos com a comunidade. Cada coletivo divide as tarefas a sua maneira, estabelecendo estatutos, onde se organizam por acordos para tratar das divisões salariais e também das tarefas de cada membro.
No entanto, a ideia é vista com receio pelos que possuem um olhar mais pragmático do ofício legislativo. Pela ausência de previsão legal, apenas o titular, inscrito com seu CPF e imagem na urna eletrônica, pode discursar e votar no parlamento. Porém, segundo Bruna, o voto individual é apenas uma questão de responsabilização jurídica pois, independente disso, a decisão do mandato é tomada coletivamente. Nesse sentido, a PEC 379/17 é um projeto de emenda constitucional que visa legitimar os mandatos coletivos. Contudo, ela está parada na CCJ (Comissão de Constituição e Justiça) desde 2017.
Crise de representatividade
O sentimento – e a necessidade – de renovação no espaço de debate público é bem conhecido entre os brasileiros na última década. Rafael Lapuente, mestre e doutor em História das Sociedades Ibéricas e Americanas e especialista em História Política do Rio Grande do Sul Republicano pela PUC-RS, faz uma análise sobre o cenário político que, tomado por instabilidades e escândalos, acarretou, segundo ele, no descolamento entre a política “de gabinete” e a política “de rua”.
Parte desse descrédito com as instituições vêm das complexidades impostas para que os cidadãos possam exercer efetivamente a participação e a contestação exigidas em uma democracia saudável. As enormes dimensões continentais do Brasil fazem com que a representação indireta facilite a tomada de decisões em torno de leis e demandas relativas ao meio público: em vez de toda a população ter de participar do processo, um grupo muito menor fará isso por ela. Entretanto, a comunicação horizontal alterou as formas de relação entre o Estado e a sociedade, emergindo a necessidade de maior presença da população no debate.
Nesse sentido, Lapuente comenta que esses acontecimentos acarretam no surgimento de movimentos que ocupam, em algum grau, o esvaziamento da representação partidária para uma parcela significativa da população, e que, por outro lado, busquem um método de fazer política concatenado com a demanda, já antiga, de “nova política”, mas fazendo disso um sentido mais concreto do que o tradicional, abstrato, que na prática não passa de um discurso vazio.
O velho e o novo
A formulação dos parlamentos atuais, estruturados nos partidos políticos e seus interesses, embarga dificuldades às propostas de aproximar as tomadas de decisão da comunidade. Bruna defende a criação de um aplicativo que possa colocar a população a par das questões que estão sendo votadas no âmbito legislativo. Nesse ponto, se ampliam as divergências com os interesses fisiológicos pois agremiações, que visam atuar de forma independente do partido, podem vir a ter problemas em partidos que visam construir um programa, uma linha de ação. No entanto, segundo o professor Lapuente, é um caso que parece ser diferente, pois a sintonia com o partido vem antes.
Ao ser questionado se as candidaturas poderiam ser algum mecanismo para angariar votos de um número maior de eleitores, além de serem formas de aproveitar a onda de rejeição à política tradicional, utilizando o coletivo como uma tática eleitoral, o professor afirma que “ao votar na candidatura coletiva, passa-se a impressão de que está se votando em um conjunto de pessoas que trabalharão juntas, e, além disso, o fator ‘novidade’ desse modelo também atrai a atenção dos eleitores. Porém, isso não pode ser visto como algo negativo. A luta política é uma luta por representação, por disputas de representação, e ser visto e reconhecido é um fator fundamental no campo político – portanto, nunca pode ser visto como ilegítimo”.
A vontade de participar
A difusão da internet, de alguma forma, contribuiu para a organização dos debates políticos. Podemos falar da questão da qualidade desse debate, entretanto, a presença dessas discussões é cada vez maior. O desafio, nesse sentido, é encontrar um meio em que a relação real política versus eleitorado não caia em outro problema, comum quando há esse descolamento, que é o do populismo. No cenário atual, presenciamos uma política de baixa intensidade.
Prof. Lapuente lembra que os plebiscitos, tão usados na Europa, poderiam ser mais praticados no Brasil. Segundo ele, eles seriam uma forma de dividir o poder decisório do parlamento e do Executivo. Entretanto, é um mecanismo usado de forma absolutamente esporádica. O Brasil teve uma experiência riquíssima na década de 1990: o Orçamento Participativo. Por meio de plenários, a população definia, por região, onde o município alocaria verbas. Era a população, organizada, que participativa do Orçamento. Muitos asfaltos, escolas, obras de saneamento, regularização fundiária, entre outros, foram definidos pelo OP.
De fato, é necessário que haja alterações no Estado brasileiro, com vistas a entender as profundas mudanças na sociedade a emergência de novos indivíduos, mais conectados. As democracias contemporâneas tendem a ser um espaço coletivo de diálogo e deliberação, e não somente devem permanecer em um contexto formal de instituições das quais emerge uma “vontade geral”. Para que amplie a legitimidade do poder, é preciso que haja mais transparência na tomada de decisões, pois não basta apenas uma “vontade de todos”, mas sim a participação efetiva de todos os interessados nas soluções aos problemas do Estado e da sociedade.
Texto de autoria de Petrius Dias, produzido na disciplina de Produção da Notícia.