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Uma resistência nacional chamada Cinema (parte II)

Posição dos órgãos públicos Em Santa Maria, existe a Lei de Incentivo à Cultura (LIC) que por meio de Poder Público Municipal apoia a cultura na cidade e tem como objetivo estimular o financiamento de projetos

Uma resistência nacional chamada Cinema

O cinema, que durante o atual governo  se envolveu com polêmicas como as mudanças na Ancine e o corte de verbas para produções com temáticas LGBT+, esteve presente no tema da redação do Exame Nacional do

Posição dos órgãos públicos

Lei de Incentivo à Cultura de Santa Maria foi instituída em 1996. Foto de Prefeitura Municipal de Santa Maria

Em Santa Maria, existe a Lei de Incentivo à Cultura (LIC) que por meio de Poder Público Municipal apoia a cultura na cidade e tem como objetivo estimular o financiamento de projetos culturais. A responsável pela LIC/SM, Marcia Rocha, relata que vários projetos vêm sendo beneficiados nos últimos anos, como por exemplo: “Por onde passa a memória da cidade”, “Narrativas em movimento”, “Olhares da comunidade” e o “Festival Internacional de Cinema Estudantil – CINEST”.          Segundo a Secretaria de Município da Cultura, Esporte e Lazer, o papel que os órgãos públicos tem feito é de estimular o desenvolvimento cultural e apoiar as manifestações culturais que acontecem na cidade, em especial, nas áreas de cinema, fotografia e audiovisual.

Entretanto, para a crítica de cinema, Bianca de França Zasso,  jornalista formada pela Universidade Franciscana e que, desde 2012, trabalha profissionalmente como crítica de cinema em Santa Maria, “esse apoio municipal  não é suficiente”. Bianca tem uma ligação intensa com o cinema nacional, tendo interesse desde a graduação,  no jornalismo cultural. A crítica conta que seu papel na área é ser uma mediadora entre o público e o espetáculo cinematográfico. Os filmes trazem questões que, muitas vezes, não são vistas numa única sessão, então o crítico serve para alertar sobre alguns pontos e trazer ao telespectador alguma informação que compõe com a experiência cinematográfica.

Bianca apresentando o quadro “Bia na Toca”. Foto: arquivo pessoal

A jornalista se dedicou ao cinema ainda na graduação, participando do CineClubeUnifra, onde escrevia e discutia sobre filmes e assuntos relacionados. Atualmente, ela é editora do site Formiga Elétrica, que tem sede em São Paulo, colunista no site do Claudemir Pereira, compõe o Elviras – Coletivo de Mulheres Críticas de Cinema, integra a Associação de Críticos do RS e a Associação Brasileira de Críticos de Cinema (Abraccine), além de colaborar com diversos outros sites.

Bianca não trabalha diretamente com a produção audiovisual na cidade, mas percebe que, com o tempo, houve uma certa diminuição de produções. Para ela, a necessidade de um posicionamento do Estado faz muita falta e não se refere a simples apoio,mas sim de novos editais serem abertos para valorizar a produção local e regional.

Sobre o tema da redação do Enem, de 2019, refletir sobre a democratização do cinema, Bianca opina que foi “um tanto quanto arriscada”. A jornalista considera que o acesso diz respeito ao cinema em lugares afastados dos grandes centros, bem como para  pessoas que não tem condições de pagar o valor estipulado nos shoppings. Segundo ela, o jovem brasileiro, médio, assiste muito pouco cinema brasileiro e, quando assiste, quase sempre são os famosos blockbusters. “Cinema nacional deveria ser matéria dada na escola: cinema é arte, é história do nosso povo, pois os filmes retratam a sociedade de determinado  período histórico”, conclui Bianca.

Também  o diretor de cena da produtora Toca Audiovisual, Fabrício Koltermann, opina  sobre o cenário do cinema nacional  nos últimos anos. Com

Fabrício trabalhando em uma de suas produções. Foto: arquivo pessoal

início muito cedo na área cinematográfica e tendo experiências em sua própria casa, o diretor conta que sempre foi  encantado por cinema e produção. Assistiu diversos filmes que lhe deram inspiração e confiança para seguir em busca de seus objetivos, disse ele.

Buscando conhecimento, Fabrício viajava de  Restinga Seca a Santa Maria para acompanhar o SMVC. O Festival,   segundo ele, serviu de escola para o seu aperfeiçoamento. Seu primeiro produto foi “O vítima de nós”, pelo qual recebeu diversos prêmios. A partir daí suas produções foram aumentando, sempre priorizando sua cidade natal,  que é Restinga Seca.

Para o diretor, a democratização do cinema está nas atividades realizadas na rua, nos cineclubes, nas exibições itinerantes. “Atividades assim não trazem apenas o filme, mas também promovem debates entre os diretores, produtores e o público. Cinema não é apenas o que está em cartaz nas grandes cidades”, comenta Fabrício.

Segundo ele, Santa Maria tem  potencial para o audiovisual, com produções de qualidade, material e profissionais especializados. Para ele é necessários que as pessoas tenham curiosidade e saiam de suas “bolhas” e busquem inovação e novidade para abrilhantarem seus trabalhos.

Como diretor, ele considera que o trabalho exige um olhar criterioso , pois o  cinema provoca sensações para quem vê, então é necessário que exista  naturalidade e verdade. Para ele que produz, o estudo e a pesquisa são muito necessários, pois o trabalho de quem está por trás das câmeras tem que ser muito pensado para transmitir aquilo que é planejado para o público.

Cinema na universidade

O incentivo ao audiovisual também é pauta  nas instituições de ensino. A UFN oferece a cadeira de Cinema I e Cinema II para os cursos de Jornalismo e Publicidade e Propaganda, além de ser aberto aos demais cursos como cadeira optativa. Na disciplina de Cinema I, ministrada por Carlos Alberto Badke, é realizado um estudo  teórico sobre a história e a produção nacional e local. As aulas servem de apoio para os alunos criarem bases dentro da área e se descobrirem no mundo do cinema.

Parte da equipe do curta A visita. Foto Alexsandro Pedrollo

Já na disciplina Cinema II, ministrada pela professora Neli Mombelli, os alunos elaboram e desenvolvem um produto audiovisual. Geralmente são produzidos dois curtas-metragens no semestre e toda produção é realizada pelos alunos. A professora conta que, em aula, são elaborados enredos e, por votação, são escolhidos quais serão produzidos. Assim, é feita uma divisão das tarefas e cada grupo é responsável pela produção.

A atividade é proposta para apresentar aos  alunos o mundo cinematográfico de modo com que realizem um pouco de cada tarefa e tenham a experiência de vivenciar uma produção. Além disso, os produtos são apoiados por empresas que os próprios alunos buscam e, assim que finalizados, são lançados e postos em concursos e festivais de cinema. Segundo a professora, não basta produzir um material audiovisual, ele deve ser exposto e circulado, para que outras pessoas possam ver.

No segundo semestre de 2019 foram produzidos dois curta-metragens, “A visita” e “¼ de memória”. Os dois curtas trazem algo em comum: ambos remetem questões atuais e pontuais que envolvem o universo feminino.

Produção do cenário de “A Visita”. Foto: Denzel Valiente/LABFEM

Atividades como estas são essenciais para que o aluno ponha “a mão na massa” e também seja inserido no processo produtivo. “Embora o aluno passe por todas as etapas em apenas um semestre, ele já pode ter noção do trabalho e do empenho que é efetuado na área do cinema “, encerra Neli.

Para saber mais sobre as produções do ano passado, confira a matéria que foi publicada na Agência Central Sul.

Foto: Ancine

O cinema, que durante o atual governo  se envolveu com polêmicas como as mudanças na Ancine e o corte de verbas para produções com temáticas LGBT+, esteve presente no tema da redação do Exame Nacional do Ensino Médio (ENEM) 2019, que  tratou sobre a “Democratização do acesso ao cinema no Brasil” e dividiu opiniões entre os jovens que realizaram a prova. Falar sobre o acesso ao cinema no Brasil, abriu espaço para uma discussão que engloba as políticas públicas aplicadas atualmente para os setores da comunicação e da cultura, afinal, ano passado,  o audiovisual brasileiro sofreu com censuras, ameaças e o corte de verbas. Por conta disso, a proposta de discussão sobre o assunto não mostrou, apenas, a centralidade do fato, mas também sua importância no cotidiano da população brasileira.

A questão que o tema da redação abordou ultrapassa a existência de cinemas nas cidades, embora ela traduza um cenário desolador: conforme dados da Agência Nacional do Cinema (Ancine), em 1975 existiam no Brasil cerca de 3.156 salas de cinema, já em 1997 havia apenas 1.075 salas. Esse número teve um crescimento em 1998, chegando a 3.337 salas em 2018. Porém, o que essa pesquisa revela é o crescimento de salas de cinema concentrada em áreas de renda mais alta dos grandes centros urbanos, principalmente em shopping centers.

Desse contexto, se percebem consequências:  a queda da produção e  exibição de filmes nacionais  e a extinção da Empresa Brasileira de Filmes Sociedade Anônima, conhecida como Embrafilme, em 1990. A Embrafilme foi uma empresa de economia mista estatal brasileira produtora e distribuidora de filmes cinematográficos, vinculada ao Ministério da Educação e Cultura e como braço do Instituto Nacional do Cinema (INC). A Embrafilme funcionava com um orçamento médio anual e chegou a lançar anualmente cerca de 25 filmes, assim, ajudando a colocar no mercado mais de 200 filmes brasileiros entre 1969 e 1990. Também no final da década de 80, a campanha da oposição acusando a empresa de clientelismo, teve intuito de convencer a opinião pública de que o cinema não devia ser matéria de Estado. Assim, em 16 de março de 1990 a Embrafilme foi extinta sem a abertura de qualquer processo administrativo que pudesse orientar sua missão, pelo Programa Nacional de Desestatização (PND), do governo de Fernando Collor de Melo. Esse ambiente foi determinante para a  produção de cinema no Brasil passar por dificuldades, sem apoio ou sequer auxílio do Estado, além do fechamento dos cinemas das cidades do interior.

Esse conjunto de dados históricos sobre o cinema no País foi referência para que a redação do Enem fosse elaborada bem como a reflexão sobre o acesso de quem tem condição de frequentar uma sala de cinema atualmente. Afinal,  também as questões que envolvem os valores que são cobrados para uma pessoa assistir  um filme numa sala de cinema em um shopping center excluiu, de alguma foram, os mais desfavorecidos economicamente. A partir desses fatores, o cinema nacional tomou atitudes para não perder sua essência, dentre elas: exibições itinerantes,  projetos pensados na valorização da produção nacional e ingresso acessível, pois democratizar é  filmes brasileiros acessíveis ao grande público e prestigiados pela nação.

Em Santa Maria

Foto ilustrativa do SMVC. Foto: divulgação

Em Santa Maria, a realização de atividades que envolvem o audiovisual são frequentes, porém carentes de público. Um dos grandes precursores da iniciativa de valorizar e expor obras cinematográficas de maneira itinerante e aberta ao público foi o Santa Maria Vídeo e Cinema (SMVC), um festival que acontece por muitos anos na cidade. Luciano do Monte Ribas e Luiz Alberto Cassol são alguns dos organizadores do SMVC e são dois profissionais  ligados ao cinema de Santa Maria e região. Eles relatam que o Festival teve sua primeira edição em 2002 e foi organizado pela Prefeitura Municipal de Santa Maria, durante a gestão do ex-prefeito Valdeci Oliveira.

O SMVC envolve mostras competitivas e não-competitivas de filmes nacionais, realiza oficinas, promove debates e demais atividades relacionadas ao cinema. Um projeto que tem como objetivo, acima de tudo, a democratização do acesso ao audiovisual, bandeira incorporada ao discurso e as ações desde a primeira edição.

O Festival, que já existe há 17 anos e realizou 13 edições, busca reconhecer e incentivar a produção brasileira de curtas-metragens, especialmente de Santa Maria e do Rio Grande do Sul. “Santa Maria é o segundo polo audiovisual do RS e um dos principais do sul do país. Produz mais de 20 curtas-metragens por ano, além de formar, exportar e oferecer mercado para dezenas de profissionais que atuam tanto em produções artísticas quanto em comerciais”, comenta Luciano.

Foto: arquivo ACS

Desse modo, eles ressaltam a necessidade do  audiovisual ser visto pelo poder público e pelos detentores do poder econômico como um caminho para ajudar no desenvolvimento da cidade e  sua promoção, como percebeu-se  nas diferentes atividades realizadas nas 13 edições do festival. Herdeiro da tradição cineclubista de Santa Maria, a partir do exemplo do CineClube Lanterninha Aurélio, da Cesma, o SMVC tem desde seus primeiros passos, a missão de defender o acesso de toda as pessoas à produção de cinema e ao audiovisual como um todo.

Em 2020, o SMVC realizará suas atividades em torno do tema “memória”, em diálogo com grupos, coletivos, instituições e pessoas da cidade e do país que se preocupam com o resgate e a preservação dos nossos patrimônios e das nossas histórias. O festival irá acontecer de 24 a 29 de novembro de 2020.

Foto: divulgação

A cidade conta, ainda, com o  Cineclube da Boca,  outro  projeto que apresenta os mesmos interesses do SMVC.  Trata-se de  um projeto de extensão universitária vinculado ao curso de Gestão de Turismo da Universidade Federal de Santa Maria (UFSM), com o apoio da Pró Reitoria de Extensão, TV OVO e a Cesma. O Cineclube é voltado aos espaços de sociabilidade e de formação cultural viabilizados pela experiência cineclubista.

Tendo início em 2016, ocupando o auditório do prédio 67 do campus da UFSM, já exibiu mais de 70 sessões e mais de 200 filmes através de mostras, ciclos, festivais, nacional e local. A equipe é composta por universitários, servidores da universidade e voluntários. A organização do Cineclube da Boca permite que o publico ligado ao cinema possa participar  das sessões e na própria proposição dos conteúdos a serem exibidos.

Gilvan Veiga Dockhorn, coordenador do Cineclube, relata que há uma vasta produção de cinema e audiovisual de qualidade em vários gêneros, formatos, estilos e narrativas no país, mas que não encontra vazão na estrutura de distribuição e, sobretudo, nos mecanismos de acesso à circuitos de exibição. Sem o incentivo a criação de espaços para acesso da maioria da população, não há cinema nacional que represente adequadamente a diversa e vasta produção que surge a cada ano. Desse modo, espaços como o Cineclube da Boca se tornam representantes culturais nesse  momento  precário de apoio. O Cineclube da Boca mantêm exibições semanais, todas às quintas, 19h, de forma gratuita, mantendo o  intuito de promover momentos  igualitários e de valorização do cinema nacional.

Reprodução
Reprodução

Nessa quarta-feira, 27, o longa-metragem exibido pelo Cineclube é “Batismo de Sangue” (2007), do diretor Helvécio Ratton. O filme que se passa em São Paulo,no  fim dos anos 1960, é baseado em fatos reais e é uma adaptação do livro de Frei Betto, vencedor do Prêmio Jabuti.

O convento dos frades dominicanos torna-se uma trincheira de resistência à ditadura militar que governa o Brasil. Movidos por ideais cristãos, os freis Tito (Caio Blat), Betto (Daniel de Oliveira), Oswaldo (Ângelo Antônio), Fernando (Léo Quintão) e Ivo (Odilon Esteves) passam a apoiar o grupo guerrilheiro Ação Libertadora Nacional, comandado por Carlos Marighella (Marku Ribas). Eles logo passam a ser vigiados pela polícia e, posteriormente, são presos, passando por terríveis torturas.

Confira o trailer de “Batismo de Sangue” 

O cineclube é uma das atrações do 12º Fórum de Comunicação, com o tema “Mídia, Democracia e Novas Possibilidades. As sessões acontecem às 18h30min no Salão Acústico – Prédio 14 – Conjunto III.

Após a partir das 20h30min, no Salão Acústico do Prédio 14 (Conjunto III da Unifra), haverá a Palestra “A Ditadura no Cinema Brasileiro″, com o Prof. Dr. Prof. Dr. Diorge Konrad – UFSM, que vai continuar os debates sobre o tema do evento.

Acompanhe a programação e confirme sua participação no Cineclube do Fórum 2014, no link do evento do Facebook [clique aqui]

A cobertura completa do Fórum na Fanpage do evento e aqui na Fanpage da CentralSul