
Última edição do UniArtes de 2019 ocorre no próximo sábado
Durante a tarde de sábado, 19, integrantes da comunidade acadêmica e de Santa Maria terão como opção para o final de semana a última edição do UniArtes. O evento acontecerá das 14h as 17h, no hall






















Ah, os Stooges. Eu amo os Stooges. Iggy (ainda sem o Pop), os irmãos Asheton, Ron e Scott, e Dave Alexander. Descobertos por Danny Fields, na época uma espécie de caça-talentos da Elektra, moldaram os padrões do que se tornaria o punk rock oito anos depois. Simplicidade, agressividade, luxúria e tédio. Os Stooges começaram a carreira no experimentalismo. Tocavam longas músicas em suas apresentações, com muita cacofonia e Scott Asheton batucando latas de lixo e gasolina. Tudo caótico e nada comercial. Em seu contrato com a Elektra, tiveram que comercializar seu som. Nenhum problema nisso. O primeiro disco, homônimo, lançado em 1969, exalando o tédio atemporal da adolescência, causou uma revolução musical. Três acordes e um niilismo ingênuo. Nasce o punk rock, mesmo ele já tendo seus primórdios uns quatro anos atrás, na Inglaterra, no riff de You Really Got Me, dos Kinks. O timbre lisérgico e os wah-wahs da guitarra de Ron Asheton tumultuando nossos ouvidos num caos controlado, produzido por John Cale, aquele mesmo do Velvet Underground, o lado vanguarda da banda. Ironicamente, ele adocicou o som dos Stooges. Eles não gostaram nada. O disco muito menos. Vendeu mixaria. E nele encontramos hinos punkadélicos do quilate de I Wanna Be Your Dog (a luxúria e submissão), 1969 e No Fun (o tédio e niilismo). Um ano depois, tomam um passo adiante em seu som. O tédio ingênuo dá lugar à pura farra niilista. Fun House serve como uma extensão do disco anterior, apenas mais completo, e diferente também. É metálico, tal qual Detroit, a cidade industrial palco e berço de bandas revolucionárias e agressivas. Produzido por Don Gallucci, tecladista do Kingsmen, e responsável pelo riff de teclado mais famoso da história, o de Louie Louie, o disco é seco, autêntico e vivo. As músicas são construídas na base do improviso. A banda soa profissional, centrada. Ron Asheton abandona seus timbres ácidos e os substitui por cortes e socos a queima-roupa na cara. O contrabaixo de Dave Alexander ainda mais pulsante. A batida instável de Scott Asheton. O tilintar das caixas é orgânico e seco. Uma autêntica bateria. E Iggy cada vez mais enlouquecido. Berrando, gemendo e urrando tal qual uma pantera caçando sua presa numa selva infernal. Iggy nunca soou tão primal na vida. Sua voz ecoa das cavernas mais profundas da humanidade. Na última faixa do álbum, L.A. Blues, os Stooges liberam o caos na terra, direto das entranhas do inferno e drogas. Cacofonia, ritmos dispersos e dissonantes, e o Iggy, claro, na maior selvageria. Altamente coeso em sua forma, a melhor descrição de Fun House se encontra no livro 1001 Discos Para Ouvir Antes de Morrer: ”O lado A é a festa, o B a ressaca”. Nada mais resumido. Composto por sete faixas, o lado A apresenta canções mais curtas e diretas. Empolgantes em sua essência. Para dançar. Uma farra completa. Termina com Dirt, uma pausa no dinamismo e o início do declínio da noite. Iggy se sente sujo e não se importa com isso. Abrindo espaço para o lado B, outra história. Canções mais longas, repetitivas, tão diretas e caóticas quanto e com o acréscimo do saxofone de Steve Mackay, martelando a ressaca em nossas cabeças. Tudo lindo e cheirando a liberdade e decadência. O disco também não vendeu nada, e os Stooges se separaram, para voltar dois anos depois, agora com outro guitarrista, James Williamson, tão agressivo quanto o próprio som dos Stooges, e Ron Asheton migrando para o contrabaixo, e, sob a produção de David Bowie, lançarem Raw Power, seu disco mais cultuado. Mas meu coração permanece em Fun House, por todo o sempre. Sendo sincero, não sei exatamente o que falar do disco. É o meu favorito. Aquele que eu levaria para uma ilha deserta sem pensar duas vezes. Palavras são desnecessárias nesses momentos. Basta sentirmos. E esse é também o melhor disco da história. Ponto final.
Apenas Gainsbourg para tornar um assunto tão polêmico, delicado e repulsivo em algo belo, melancólico e sonhador. Aqui temos uma ópera-rock sacana sobre uma paixão proibida. E ilegal. O alter-ego de Gainsbourg, ou talvez o próprio, dirige seu Rolls Royce pelas ruas solitárias de uma noite escura quando atropela uma garota numa bicicleta. A imagem virginal de Melody Nelson o fascina. Começa aí um conto de obsessão e paixão que termina em tragédia. É isso mesmo. Melody Nelson é menor de idade. Gainsbourg não revela exatamente as primaveras da personagem título, mas suas descrições de lolita nos remetem uma ideia. Gainsbourg atravessa as profundezas mais sinistras do homem. A história é narrada em detalhes e tons poéticos pelo vocal sussurrado e falado de Gainsbourg, a subsequente sedução até o ato carnal. Gainsbourg está apaixonado pela sua musa virginal. Ele a deseja. Não a vê como uma mera presa de suas perversões e delírios carnais. É uma paixão autêntica. Mas não se preocupe, não há palavras ofensivas aqui. Detalhes das núpcias do casal são deixados de lado. Tudo muito galanteador e francês. Gainsbourg era malandro, mas nada burro. É exatamente isso que torna esta obra tão bela. A tragédia e luxúria de uma paixão proibida sob o ponto de vista delicadamente romântico e recíproco. É um obra feita para chocar, mas sem a apelação tão comum nesse tipo de abordagem. Não espere um Lolita da vida. A mera perversão e medo de um Humbert Humbert não existem aqui. E nada de romantização e glamourização de um tema desagradável. O que talvez faça esta obra soar tão sinistra e até ingênua em seu conceito. Na verdade, até que há uma certa moral da história. O disco fecha com a morte de Melody Nelson, em um acidente de avião, e Gainsbourg lamentando o eterno fim de sua paixão proibida, como se fosse viver o resto de sua vida no maior sofrimento, pagando pelo seu pecado. Maior deprê. Mas o verdadeiro primor aqui é a música, é claro. Com 27 minutos de duração e dividido em sete faixas, Melody Nelson é um exercício de delicadeza e produção esmerada, luxuosa e muito, mas muito simples. Tudo nesse disco é perfeito. Produção, execução, interpretação. Foi feito para ser ouvido do início ao fim, sem pular faixas. Afinal, é um álbum conceitual. Cada faixa expandindo a outra. A base do disco se encontra num funk sombrio e levemente safado que só Gainsbourg sabia fazer, com três curtos interlúdios acústicos para acalmar os ânimos. As músicas seguem uma linha repetitiva e tranquila, e vão aumentando e progredindo ao mesmo tempo em que o enredo é desenvolvido. Tudo muito sombrio e melódico. A calmaria antecipando a tempestade. Cada instrumento bem executado e em harmonia com o clima das canções. Nenhum instrumento se sobrepõe a outro. Um autêntico trabalho em equipe. De primeira temos toques de guitarra aqui, baixo marcando a melodia, bateria o ritmo, mais toques de guitarra ali, uma leve passagem de cordas, terminando numa explosão conjunta. Sem pompa, sem complexidades. Apenas simplicidade em seu estado mais bruto. Esse desenvolvimento em conjunto entre enredo e música é perfeito para nos envolver na história. Um filme em nossa mente. Não é preciso ter domínio da língua francesa para entender a história. Música e letra já fazem todo o trabalho. Além disso, a mixagem dos instrumentos é tão seca e genuína quanto a mais fria das almas. Há belíssimos dedilhados de violão e contrabaixo sustentando as melodias e pintando tons de alegria no disco. Sonoridade ideal para o ambiente melancólico e de tensão sexual. Os arranjos de cordas de Jean-Claude Vannier banham o disco em magia e sonho. Etéreo. Um coro de anjos sem o coro. Em resumo, Melody Nelson é a maior definição de perfeição. Uma obra-prima indispensável na coleção de qualquer amante da música.
Dennis Wilson, o beach boy errático, rebelde e de espírito livre. Mas também um ser de natureza gentil e doce. E uma alma atormentada. Espíritos livres com frequência são atormentados. A liberdade é perturbadora. Dennis era o patinho feio dos garotos da praia. Tinha uma voz fraca e grave, um contraponto perfeito aos seus colegas de banda, todos muito bem afinados. Isso não impediu Dennis de interpretar majestosamente belas canções do cancioneiro praieiro. Sua fragilidade é envolvente em canções como The Back of My Mind, por exemplo. De uma extrema ternura. Também foi um hábil compositor. Não tão genioso quanto seu irmão, Brian, mas igualmente brilhante. Dennis não teve treinamento musical algum. Escrevia suas melodias de coração mesmo. Ou talvez tocasse apenas notas agradáveis até formar uma sequência coesa, quem sabe. Não importa. Sua canção mais famosa nos Beach Boys, Forever, é um exemplo desse seu brilhantismo. Melodismo em seu mais alto nível. E seu único disco solo segue essa linha. Apenas um pouco menos comercial. Desprovido de enfeites, Pacific Ocean Blue é um trabalho melancólico, reflexivo, cru e repleto de sentimento de um ser atormentado. Clima de fim de noite e solidão. Levemente depressivo e desesperador, mas com traços de esperança. Letras sobre amores saudosos, despedidas tristes, reflexões e leve otimismo em relação a vida. Sua voz mais rouca e fraca, devido a idade e sua forma física desgastada. Ele era o galã dos Beach Boys, o garoto-problema, e em 1977 se encontrava fora de forma. Mas sua voz atormentada por pesadelos, num timbre áspero, combina perfeitamente com a atmosfera desoladora de suas canções. Wilson as interpreta com a sonolência e ausência de personalidade, mas com muita personalidade, de quem só quer desabafar sobre seu cansaço mental e físico. Tudo envolto em névoas e água salgada. Podemos imaginar a paisagem tranquila e deprimida de uma manhã solitária e cinzenta nas areias de uma praia. A princípio o disco pode soar um tanto tedioso para ouvidos menos acostumados com um som nada progressivo e padronizado, com poucas mudanças e tudo arrastado, que segue os padrões de um rock mais adulto, orientado para as rádios, da costa oeste dos Estados Unidos, também conhecido como AOR, mas sem o raiar do sol. É um anti-AOR. Nenhuma faixa apresenta um apelo comercial. Apenas beleza em sua essência. É um disco para ser ouvido na íntegra, em sua totalidade. Maçante, mas nada maçante. Os ganchos estão ali, tímidos em meio ao clima levemente desesperado do disco. Por isso exige repetidas audições até entendermos seu conceito, sua musicalidade peculiar. E aí é que ele nos envolve cada vez mais. No fim, Pacific soa por vezes perturbador. Um mergulho nas reflexões de um espírito atormentado pela sua natureza rebelde e errática. Wilson morreria seis anos depois de lançar seu primeiro e último disco, afogado após pular bêbado na água. Um fim trágico para uma alma trágica.
Lá pelos idos da década de 60 Eric Clapton se encontrava na pior. Estava apaixonado por Pattie Boyd, já comprometida. E pior, esposa de seu melhor amigo, George Harrison. Cansado e cada vez mais caindo de amores, naquelas de pensar na pessoa todos os malditos dias da vida que seguia, e querendo não sofrer mais, Clapton resolveu declarar a ela seus sentimentos. O casamento já estava em ruínas, e malandro que só ele, resolveu aproveitar a deixa. Não deu certo. Pattie continuou na tentativa de resolver seus problemas matrimoniais com o ”beatle quieto”, que também não era lá o santinho que todos achavam que era. Esses piscianos, tão imprevisíveis. Clapton, por sua vez, resolveu ter um caso com a irmã de Pattie, Paula, apenas pela semelhança física e uma maior aproximação de Pattie. Não é preciso dizer que isso só piorou a situação. O guitarrista então entrou numa depressão pesada, se viciando em heroína e álcool. Nenhuma novidade aí. Cheio de dor, decidiu formar um novo grupo com os músicos de estúdio Bobby Whitlock, Jim Gordon e Carl Radle. Surge Derek and the Dominos. Lançaram apenas um disco, duplo, todo dirigido à Pattie. Clapton convidou Duane Allman, o herói dos Allman Brothers, para transpor a delicada raiva e chororô em seus slides. Layla foi dividido entre canções autorais, inspiradas pela tragédia amorosa de Clapton naquele momento, e covers, que também falam das dores do amor inatingível. As observações de Clapton sobre suas agruras e sofrimento o permitem sonhar, se declarando em canções sobre o pecado de amar a mulher de outro e ser dela, não importa a distância que seja. Parece estranho, e com certeza o é. ”And if it seemed a sin/To love another man’s woman, baby/I guess I’ll keep on sinning/Loving her, till my very last day” (E se parece pecado/Amar a mulher de outro homem, baby/Eu acho que continuarei pecando/Amando ela até o último de meus dias), é o que canta Bobby Whitlock, soltando a voz num tom grave. Quase um pastor. Obsessão nunca soou tão trágica, determinada e sinistra. A razão, causa e circunstância do porque Clapton não cantou nesse trecho tão pessoal é um mistério. Já em Have You Ever Loved a Woman, um antigo blues de Chuck Willis, é ele que dá o ar de sua desgraça: ”Have you ever loved a woman so much you tremble in pain?/And all the time you know she bears another man’s name”. (Você já amou uma mulher tanto a ponto de tremer de dor?/E todo esse tempo você sabe que ela carrega o nome de outro homem). Arrepios. É um disco basicamente pop com temperos de blues e soul, derramando a angústia por todos seus quatro lados. A banda é afiada, tocando na precisão de um senhor Miyagi. Jim Gordon é um monstro na bateria, sempre com suas viradas marotas. Ouvir essa viradas no fone de ouvido é um prazer inenarrável. O disco também serve como veículo para o lado cantor de Clapton, aqui em seu melhor registro vocal. Ele se entrega às canções. Parece cansado, abatido pela sua dor. Mas determinado. Sua voz soa fraca e potente ao mesmo tempo. O timbre levemente sujo, talvez pela quantidade de álcool consumida para tentar aliviar seus pensamentos. E há o clássico dos clássicos, Layla. Um hino. Riff histórico presente em tudo o que há de clássico nesse mundo, e letra inspirada num conto persa de amor proibido. É a que mais se dirige diretamente à Pattie Boyd. Clapton soa raivoso, indagando sobre a escolha dela em permanecer num casamento já falido, e a ameaça de ficar sozinha pelo resto da vida quando as coisas ficarem feias para o seu lado. Homens, sempre tão… dramáticos. A banda acabou um tempo depois. As drogas cada vez mais afetaram Clapton, que se isolou. Apenas anos mais tarde é que seu sonho enfim se realiza, com o fim do casamento de George e Pattie, e os dois se permitem amar. Se casam em 1979, e o resultado não foi tão maravilhoso quanto o desejo de Clapton achava que seria. Talvez pelo abuso de drogas, Clapton deixou de se preocupar com Pattie, e sua vida teve ainda mais dor, muito mais dor, até se separarem no final da década de 80. No final, tudo pareceu mais um caso de mera paixão e perdição. Triste.
Arnaldo Baptista também não estava nos melhores dias após sua saída dos Mutantes em 1973. Com a saúde cada vez mais debilitada pelo uso intenso de substâncias lisérgicas, e tal qual um Syd Barrett brazuca, demonstrando um comportamento dos mais bizarros, se encontrava em plena desgraça. Ainda tinha o fato de, pelo menos é o que conta a história, estar obcecado por Rita Lee, sua colega de banda e ”alma gêmea”. Mas também nem tanto. Em sua autobiografia, Rita conta que Arnaldo não era assim tão chegado nela, e quando surgia, era só pra atazanar. Talvez o primeiro embuste da história, quem sabe. Ou como já foi dito antes, apenas resultado dos efeitos que a paixão, ou o amor, causa nas pessoas. Você sabe, nos tornamos relativamente estúpidos em meio aos nossos sentimentos. Rita também afirma que eles eram sim ”almas gêmeas”, ao menos nos primeiros anos de convivência. Era uma relação mais familiar do que meramente sexual. Se completavam. Duas crianças fazendo peraltices. Amando ou não, e assim sendo, Arnaldo, após compor material novo, se fecha no estúdio, acompanhado de Liminha e Dinho, também parceiros de Mutantes, e grava seu primeiro e melhor disco. Lóki? é uma obra-prima, daquelas que já nascem com esse dom. Arnaldo se entrega na autopiedade. A produção crua e urgente ao extremo é um ótimo pano de fundo para um disco repleto de angústia e dor. Não é exatamente um disco de sofrência, mas sim de sofrimento no sentido mais melancólico e amplo da palavra. Arnaldo se deixa afundar na sua dor e delírio constante. Sobre as composições, afirmou certa vez não terem relação nenhuma com Rita, mas é impossível não pensar na presença constante dela em torno da obra. E se não dela, de alguma outra pessoa. É um disco muito subjetivo, com reflexões melancólicas sobre tempos áureos, saudade, perdição, fuga nos próprios pensamentos, solidão, isolamento e morte. Tudo transcrito na leveza do brilho dos dias pela aura de uma mente perturbada. Entre a desesperança e a esperança. Ele ama Rita, ou essa outra pessoa, e a quer de volta. Tudo nos mais altos padrões de sinceridade. E mesmo assim, Lóki? não soa exatamente depressivo. Nada é maçante aqui. Suas músicas, mesmo tristes, também são alegres. Há rock no meio das baladas melódicas. O trio mostra ao ouvinte que funciona em perfeita harmonia. O som é potente e leve na mesma exatidão. Tudo executado na maestria. Arranjos simples, porém complexos, andamentos e quebradas progressivas. Arnaldo mostra todo seu lado erudito. Criação de família. A atmosfera é íntima. O instrumental é composto apenas por piano, baixo e bateria, com eventuais participações de outros instrumentos, e da própria Rita nos backing vocais em duas faixas. Arnaldo está ferido em suas interpretações, sem demonstrar precisamente isso. Sua voz bastante jovem e potente. Canta num corriqueiro cansaço a sua esperança no futuro, suas reflexões sobre um país que ainda é criança, esperar o apocalipse na tentativa de reencontrar um amor perdido, sua solidão, não estar nem aí pra morte, pra sorte e ter como meta apenas ”decolar toda manhã”, além de se ver apegado ao passado, a coisas que lhe dão prazer e a indagar se vai virar bolor. Sentimos sua depressão. Após o disco, Arnaldo entraria numa longa fase de refúgio, perturbando Rita mais algumas vezes, formando a Patrulha do Espaço, passando por crises e decaindo cada vez mais em seu estado mental, culminando na trágica tentativa de suicídio ao se jogar da janela de seu quarto, no terceiro andar de um hospital psiquiátrico. Arnaldo, é claro, sobreviveu, conheceu Lucinha Barbosa, sua companheira desde então, se recuperou dos traumas e hoje está aí de boas com a vida.
Situação parecida a de Bob Dylan em 1975, passando por uma crise no casamento com Sara, sua esposa há mais de dez anos. Talvez isso tenha o influenciado a gravar seu disco mais confessional na sua gigante discografia. O disco fala do fim de uma relação, do ponto de vista adulto e amadurecido. Há todas as diferentes fases, como negação, lembrança de momentos felizes, raiva, tristeza, medo da perda, medo da solidão, solidão em si, desespero e aceitação. Dylan diz que as canções não foram inspiradas em sua vida pessoal, já que, em suas palavras, não escrevia letras autobiográficas. Sua principal fonte foram as histórias curtas do escritor Anton Chekhov. Já Jakob Dylan, o filho, apenas uma criança quando esteve presente nas gravações de Blood on the Tracks, declarou que o álbum inteiro é uma conversa entre seus pais. Autobiográfico ou não, a obra reflete o teor íntimo de seu autor. Desprovido de grandes produções, o disco é seco como o fim de uma relação. Bem apropriado para as letras cheias de amargura, melancolia e dor. E aceitação também. Dylan admitiu ficar surpreso com o sucesso e relevância do disco para seus fãs. ”Um monte de gente me disse adorar o álbum. É difícil concordar com elas. Quero dizer… Pessoas curtindo esse tipo de dor, sabe?”, declarou sobre sua maior obra-prima. E a musicalidade está mais presente do que nunca. A música de Dylan sempre foi provida de arranjos melódicos e ganchos. Uma pintura musical. Sua interpretação passa do calmo, suave e terno para o irônico, raivoso (mas sem perder as estribeiras) e dolorido. Dylan foi, e ainda é, um grande intérprete. Sua voz analasada, cheia de choro nos lamentos sobre a solidão do abandono e da raiva do momento. Curiosamente o disco poderia ter sido ainda mais cortante em sua estética. Foi gravado originalmente em Nova York, com algumas músicas tocadas apenas no violão. Dylan não gostou do resultado, e foi para sua terra natal, Minnesotta, regravar algumas canções com a presença da banda. Talvez tenha suavizado o teor delas, mas continuam altamente íntimas em suas descrições e observações sobre uma relação em completo desgaste, com um toquinho de esperança. A dor e sofrência em sua roupagem mais lírica. Dylan encerra o disco com uma nota de leve otimismo, companheirismo, saudade, verdade e senso de humor. ”I seen pretty people disappear like smoke/Friends will arrive, friends will disappear/If you want me, honey baby, I’ll be here” (Eu vi pessoas bonitas desaparecem como fumaça/Amigos chegam, amigos vão embora/Se você me quer, querida, estarei aqui), canta em Buckets of Rain. Dylan nunca soou tão sincero em toda sua obra.