Santa Maria, RS (ver mais >>)

Santa Maria, RS, Brazil

Inquietações fragmentadas

Pixabay

Escrever é um desafio, mas diante do convite da Rosana Zucolo (Agência CentralSul de Notícias) resolvi aceitar. Essa aceitação é também uma superação aos muitos limites que tenho diante da consciência que me trava: escrever é uma maneira de despir-se (ou despir-me). Desafio aceito, e agora?

Agora é olhar de frente para o desafio, sentar e escrever… Então, decidi expor fragmentos de reflexões ou reflexões fragmentadas sobre ‘coisas’ que li, vi, ouvi ou pensei a respeito da vida e da (des)humanização do mundo.

Mundo, do latim, mundus, como adjetivo significava “limpo, são, puro, elegante, apurado”. Em português também existe o adjetivo mundo que significa limpo. Alguém usa a palavra mundo como limpo? No entanto, o uso de seu antônimo ‘imundo’, que significa impuro e sujo, é muito comum na nossa língua. Mas imundo traz dento de si o mundo, o ‘sujo’ traz dentro de si o mundo, o ‘limpo’. E o (i)mundo provoca reflexões.

Esta é uma das reflexões que surgem de imagens: em uma noite dessas vi um homem (e não era um bicho, relembrando Bandeira) dentro de um contâiner selecionando o que havia de mundo naquele lugar imundo. Por que nossas imundícies ainda estão misturadas a coisas limpas? Por que aquele ser limpo tem que se misturar aos restos e às sujeiras que produzimos? Por que não deixamos separados os lixos limpos e facilitamos o acesso a quem vive dessa caça a tesouros que desprezamos. Bandeira fala alto em meus pensamentos “o bicho, meu Deus, era um homem”.

Esta outra surge de ‘coisas’ que li em “A virtude da Raiva” de Arun Gandhi, neto de Mahatma Gandhi: “nossa ganância e nossos hábitos, que causam tanto desperdício, perpetuam a pobreza, o que é uma violência contra toda a humanidade”. Volto ao contâiner e vejo que aquilo que desperdiçamos contribui para violentar e desumanizar aqueles que vivem na pobreza ou em extrema pobreza.

Nesta reflexão, junto o que vi, o que li com o que ouvi. A guerra causa a fome, mas a fome também gera conflitos e a imagem da guerra e da fome parecem tão distantes de nós, brasileiros. Parecem estar lá, no continente africano ou em países que inexistem, não fazem parte do mapa mundi. São tão pobres, por isso tão invisíveis ao mundo. Seria mesmo ao mundo?

Reunindo as inquietações e os fragmentos, expondo-me, confesso! Tenho pensado, refletido ou inquietado-me muito com a ausência de um olhar humanizado, um olhar para o outro como um igual, como alguém que merece a nossa atenção, o nosso sorriso, o nosso afeto, a nossa confiança… e diante da percepção dessa ausência, tenho me perguntado: que (i)mundo é esse?

Najara  Ferrari Pinheiro é graduada em Letras(FIC) e Comunicação Social (UFSM), mestre em Estudos da Linguagem (UFSM) e doutora em Ciências da Comunicação (Unisinos)

LEIA TAMBÉM

Uma resposta

  1. Muito bom!! Infelizmente está ficando cada vez mais difícil não se inquietar com esse país. Adorei o texto! bjo

Deixe um comentário

O seu endereço de e-mail não será publicado. Campos obrigatórios são marcados com *

Adicione o texto do seu título aqui

Lorem ipsum dolor sit amet, consectetur adipiscing elit. Ut elit tellus, luctus nec ullamcorper mattis, pulvinar dapibus leo.

Pixabay

Escrever é um desafio, mas diante do convite da Rosana Zucolo (Agência CentralSul de Notícias) resolvi aceitar. Essa aceitação é também uma superação aos muitos limites que tenho diante da consciência que me trava: escrever é uma maneira de despir-se (ou despir-me). Desafio aceito, e agora?

Agora é olhar de frente para o desafio, sentar e escrever… Então, decidi expor fragmentos de reflexões ou reflexões fragmentadas sobre ‘coisas’ que li, vi, ouvi ou pensei a respeito da vida e da (des)humanização do mundo.

Mundo, do latim, mundus, como adjetivo significava “limpo, são, puro, elegante, apurado”. Em português também existe o adjetivo mundo que significa limpo. Alguém usa a palavra mundo como limpo? No entanto, o uso de seu antônimo ‘imundo’, que significa impuro e sujo, é muito comum na nossa língua. Mas imundo traz dento de si o mundo, o ‘sujo’ traz dentro de si o mundo, o ‘limpo’. E o (i)mundo provoca reflexões.

Esta é uma das reflexões que surgem de imagens: em uma noite dessas vi um homem (e não era um bicho, relembrando Bandeira) dentro de um contâiner selecionando o que havia de mundo naquele lugar imundo. Por que nossas imundícies ainda estão misturadas a coisas limpas? Por que aquele ser limpo tem que se misturar aos restos e às sujeiras que produzimos? Por que não deixamos separados os lixos limpos e facilitamos o acesso a quem vive dessa caça a tesouros que desprezamos. Bandeira fala alto em meus pensamentos “o bicho, meu Deus, era um homem”.

Esta outra surge de ‘coisas’ que li em “A virtude da Raiva” de Arun Gandhi, neto de Mahatma Gandhi: “nossa ganância e nossos hábitos, que causam tanto desperdício, perpetuam a pobreza, o que é uma violência contra toda a humanidade”. Volto ao contâiner e vejo que aquilo que desperdiçamos contribui para violentar e desumanizar aqueles que vivem na pobreza ou em extrema pobreza.

Nesta reflexão, junto o que vi, o que li com o que ouvi. A guerra causa a fome, mas a fome também gera conflitos e a imagem da guerra e da fome parecem tão distantes de nós, brasileiros. Parecem estar lá, no continente africano ou em países que inexistem, não fazem parte do mapa mundi. São tão pobres, por isso tão invisíveis ao mundo. Seria mesmo ao mundo?

Reunindo as inquietações e os fragmentos, expondo-me, confesso! Tenho pensado, refletido ou inquietado-me muito com a ausência de um olhar humanizado, um olhar para o outro como um igual, como alguém que merece a nossa atenção, o nosso sorriso, o nosso afeto, a nossa confiança… e diante da percepção dessa ausência, tenho me perguntado: que (i)mundo é esse?

Najara  Ferrari Pinheiro é graduada em Letras(FIC) e Comunicação Social (UFSM), mestre em Estudos da Linguagem (UFSM) e doutora em Ciências da Comunicação (Unisinos)