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Roda de conversa discute saúde mental na UFN

Na próxima terça-feira, 17, às 18h30, no hall do prédio da Capela da UFN, haverá a ‘Roda de Conversa: Vamos falar sobre saúde mental dos acadêmicos?’. A programação vem ao encontro do Setembro Amarelo, mês destinado

Saúde mental exige cuidados e acompanhamento

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Os manicômios e os caminhos da reforma psiquiátrica

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O movimento antimanicomial e a saúde pública do Estado

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Psicofobia e estrutura para tratamento psiquiátrico

A psicofobia, preconceito contra pacientes psiquiátricos, ainda impera na sociedade, infelizmente. Segundo professoras do Centro Universitário Franciscano, o preconceito deve ser desconstruído a partir de políticas para uma maior inserção desses pacientes na sociedade, inclusive o

Vitória Winckler, à esquerda, e Rodolfo Martins, à direita, em palestra sobre Setembro Amarelo. Imagem: Assessoria de Comunicação/UFN

Na manhã da quarta-feira, 18, no Conjunto III da Universidade Franciscana (UFN), o psicólogo Rodolfo Martins e a assistente social residente em saúde mental da UFN, Vitória Winckler, reuniram-se para debater sobre a campanha Setembro Amarelo, que coloca em evidência um tema que afeta profundamente a sociedade contemporânea: o suicídio.

O evento, denominado “Intencionalidade suicida: da prevenção à pósvenção”, foi organizado pelo Núcleo de Apoio à Diversidade Humana (NADH), em parceria com o Laboratório de Práticas em Psicologia, o curso de Psicologia e a Residência em Saúde Mental da UFN.

O Setembro Amarelo consiste em uma campanha nacional de prevenção ao suicídio, que ocorre todos os anos no Brasil durante o mês. O movimento foi criado em 2015 pelo Centro da Valorização da Vida (CVV), Conselho Federal de Medicina (CFM) e Associação Brasileira de Psiquiatria (ABP), com o objetivo de promover a conscientização da população sobre a importância de debater temáticas como a saúde mental e o suicídio, além de oferecer apoio às pessoas que se encontram em estado de sofrimento emocional.

A campanha visa quebrar o tabu em relação ao tema do suicídio, incentivando o diálogo aberto, a escuta ativa e o suporte àqueles que estão passando por momentos difíceis. Segundo dados da Organização Mundial da Saúde (OMS), o suicídio é uma das principais causas de morte entre jovens e adultos no mundo. No Brasil, os registros se aproximam de 14 mil casos por ano, ou seja, em média 38 pessoas cometem suicídio por dia, um número alarmante que reforça a necessidade de estabelecer diálogos referentes ao assunto nos mais diversos âmbitos sociais.

De acordo com Vitória Winckler, a realização de eventos como esse proporciona espaços de reflexão, troca e escuta. Esses encontros fazem com que as pessoas tenham a oportunidade de se autoconhecerem e, consequentemente, caso haja necessidade, ir em busca de auxílio profissional. Evitar tratar sobre suicídio não implica na não ocorrência desse fator, por isso é necessário conceder espaços para discussões e trocas.

O suicídio é uma questão extremamente complicada e de suma importância no contexto social. Portanto, a prevenção deve consistir em um ato contínuo. O Setembro Amarelo ressalta que cuidar da saúde mental se trata de uma ação de coragem e amor próprio. O Centro de Valorização da Vida (CVV) oferece apoio emocional gratuito pelo telefone 188, disponível 24 horas por dia.

Em 2024, o lema da campanha é “Se precisar, peça ajuda!” e diversas ações já estão sendo desenvolvidas.
Imagem: Freepik

Imagens: Maria Eduarda Rossato/Assessoria de Comunicação da UFN

Na próxima terça-feira, 17, às 18h30, no hall do prédio da Capela da UFN, haverá a ‘Roda de Conversa: Vamos falar sobre saúde mental dos acadêmicos?’. A programação vem ao encontro do Setembro Amarelo, mês destinado à campanha brasileira de prevenção ao suicídio, iniciada em 2015, por iniciativa do Centro de Valorização da Vida, do Conselho Federal de Medicina e da Associação Brasileira de Psiquiatria.

Segundo o Boletim de Vigilância Epidemiológica de Suicídio e Tentativa de Suicídio, produzido em 2018 pelo Centro Estadual de Vigilância em Saúde do RS, o estado tem apresentado, historicamente, as maiores taxas de suicídio do país.

Foram anos lutando contra mim e eu me superei. Comecei a me sentir pessoa, gente, porque antes eu me sentia um bicho. A partir daí eu vi que eu consegui fazer as coisas.”

Esse foi um dos relatos ouvidos durante a construção desta reportagem. Temos o intuito de apresentar, principalmente, o serviço desenvolvido nos Centros de Atenção Psicossocial (CAPS), suas metodologias de atendimento, demandas, relação com o restante da rede de saúde mental e como se dá a relação dos usuários com esse sistema de saúde em Santa Maria.

Durante os meses de abril e maio, entre visitas e conversas, podemos conhecer o serviço de saúde mental do município, que conta com quatro centros: o CAPS II Prado Veppo, que atende pessoas com transtornos mentais graves; o CAPS Ad II Caminhos do Sol e o CAPS Ad II Cia do Recomeço, que são voltados para usuários dependentes de álcool e drogas; e o CAPSi II O Equilibrista, por onde passam crianças e adolescentes com transtornos psíquicos.

A realização das visitas aos locais, além de contribuírem para o esclarecimento de cada unidade, também serviram para que buscássemos respostas das demandas mencionadas pelas equipes dos CAPS e pelos próprios usuários. Junto com as unidades, conhecemos o funcionamento do centro de internação Paulo Guedes, localizado no Hospital Universitário de Santa Maria (HUSM). Também ouvimos profissionais do setor e usuários dos serviços psicossociais e participamos da Pré-Conferência de Saúde Mental, que ocorreu na Universidade Franciscana (UFN), com acadêmicos e professores da área de saúde que atuam na rede.

Durante esses dois meses, as visitas aos CAPS, à unidade Paulo Guedes e a entrevista com a coordenadora de Saúde Mental, Claudia Pinto, ocorreram por intermédio do Núcleo de Educação Permanente em Saúde (NEPeS). A primeira foi realizada no início do mês de abril e a partir daí mergulhamos nos Centros de Atenção Psicossocial.

Nesse período, podemos ver a dedicação dos profissionais em manter as atividades e oficinas, mesmo trabalhando com a equipe mínima reduzida. Logo nas primeiras visitas, ouvimos relatos das equipes das unidades sobre a carência de profissionais e o inchamento da rede que não consegue suprir a grande demanda de usuários. Evidenciamos a falta de estrutura e investimento nesses serviços por parte dos órgãos públicos.

Encontramos, ainda, a dificuldade de obtenção de respostas por parte da Coordenadoria de Saúde Mental e Secretaria de Saúde de Santa Maria. Entre os questionamentos sem respostas, está os valores dos aluguéis pagos pelos imóveis, que custam em média R$ 7,5 mil/mês, para cada unidade.

Os CAPS, que se localizam na região central da cidade, também trocam de endereço constantemente, devido as condições das residências. As alterações afetam, principalmente, os usuários das unidades Ad (álcool e drogas,) que precisam se adaptar as mudanças. Isso porque, esses centros atuam por meio de “territórios”, os quais estabelecem para onde cada usuário deve ir, a partir do local em que moram.

É importante saber que os centros constituem-se dentro da chamada Rede de Atenção Psicossocial (RAPS), uma das estratégias desenvolvidas pela Política Nacional de Saúde Mental. A estrutura faz parte de uma implantação realizada no Sistema Único de Saúde, com o objetivo de atender, nos diferentes graus de complexidade, pessoas que demandam atendimentos voltados à saúde mental. Em Santa Maria a prefeitura é responsável por essas unidades.

 CAPS, as demandas de um sistema invisível em Santa Maria (Acesse o link para ler a reportagem completa)

 Painel sobre o cuidado em saúde mental durante o 9º Interfaces no Fazer Psicológico, no Conjunto III da Universidade Franciscana.Foto: Vítor Cargnelutti

O painel sobre o cuidado em saúde mental ocorreu na tarde de ontem, terça-feira, 28, no 9º Interfaces do Fazer Psicológico.  Ministrado pela psicóloga, doutora em antropologia pela Universitat Rovira i Virgili, Károl Cabral, e a graduada em enfermagem e obstetrícia, com pós-doutorado na Università degli Studi di Torino, Luciane Prado Kantorski, o painel trouxe ao debate as formas de cuidado com a saúde mental.

Károl iniciou o debate falando sobre acompanhamento terapêutico e os deslocamentos da clínica e produção de novos territórios existenciais. Segundo ela,  “o acompanhamento terapêutico é um trabalho clínico que busca promover a autonomia e a reinserção social do paciente, destinado a pessoas que apresentam dificuldades de relacionamento e convívio social, devido a comprometimentos emocionais e limitações físicas. O atendimento terapêutico utiliza o espaço público da cultura como dispositivo para o ato terapêutico”.

A psicóloga fez uma comparação do atendimento terapêutico com a obra “Sapatos Magnéticos” do artista belga Francis Alÿs, que fez um percurso caminhando pela cidade de Havana, em Cuba, com um par de sapatos magnetizados e, através dele, coletou uma série de objetos metálicos e colocou-os junto a mapas que traçaram seu percurso diário pela cidade.

Károl destacou que durante a caminhada de Alÿs pelas ruas de Havana, ele interagia tanto com a cidade quanto com a população, e isso possibilitou uma conexão que surge do encontro entre duas ou mais pessoas. Também ressalta que o artista sempre introduz sua obra em interação com a cidade em que habita.

Cuidar da saúde mental

Seguindo o debate, Luciane Kantorski abordou o cuidado em saúde mental: novas abordagens em saúde mental. Ela explica que muitas experiências desenvolvidas no contexto mundial têm demonstrado a possibilidade de criação de novas práticas voltadas para o respeito dos sujeitos, e visam garantir os direitos de pessoas agredidas por algum tipo de sofrimento psíquico por meio da valorização de suas experiências.
A enferemeira destacou que o diálogo aberto é um método para atender a crise psicótica através de uma intervenção nas primeiras 24 horas, onde o paciente e sua família são convidados para participar não só do primeiro encontro, mas de todo o processo de tratamento. Assim, o objetivo central dessa prática é criar diálogos para colocar em palavras as experiências vivenciadas pelos pacientes.
Durante cinco anos, Luciane constata que a contribuição do diálogo aberto para o mundo ajudou 86% dos pacientes a retomarem seus estudos e trabalhos em tempo integral, sendo que 17 % recaíram durante os primeiros dois anos e 19% durante os três anos seguintes. Ela também explica que 29% fizeram uso de medicação neuroléptica durante uma fase do tratamento.
Outro método para atender os transtornos mentais são os Ouvidores de Vozes. Esta técnica está presente em mais de 30 países que organizam uma conferência a fim de incentivar uma mudança na atitude da sociedade, mudando a maneira de como os ouvidores foram tratados pelos médicos e psiquiatras.
“Muitas vezes, essas vozes são desencadeadas por eventos traumáticos e emocionais, como acidentes, abusos sexuais e doenças. E há três fases entre as pessoas que ouve vozes: a fase da surpresa, quando o paciente se depara e ouve pela primeira vez as vozes; a fase da organização onde o paciente lida com as vozes; e a fase da estabilização”, afirma Luciane.
Segundo ela, para combater os tratamentos abusivos e violentos no âmbito da psiquiatria, foram criadas organizações: O Projects Icarus e o Freedom Center. “O Projects Icarus é uma organização que oferece palestras e espaço de escuta. Ela está relacionada à saúde mental e justiça social, colocando-se à disposição de instituições e organizações que desejam iniciar conversas sobre saúde emocional e justiça social”, diz.
 “O Freedom Center é uma comunidade de apoio administrada por pessoas consideradas com graves transtornos mentais. Suas atividades se baseiam na filosofia de relação de danos, no direito da escolha das pessoas em relação aos tratamentos médicos e nas pessoas que não fazem uso de medicação. Estas duas organizações têm trabalhado na possibilidade de uma construção conjunta de outros caminhos para a vida dos sujeitos”, conclui a doutora.

A 9º Interfaces no Fazer Psicológico ocorre de 27 a 29 de agosto, no Conjunto III da Universidade Franciscana. O objetivo do evento é promover o intercâmbio de experiências entre os acadêmicos do curso de Psicologia da Universidade Franciscana com os demais acadêmicos e profissionais da área.

Texto: João Pedro Foletto e Rafael Finger, estagiários de Jornalismo

 

Antigo Hospital São Pedro. Foto: Arquivo HSP
Antigo Hospital São Pedro. Foto: Arquivo HSP

“Tudo fechado, trancado, maciço, pesado, oprimente. Tudo feito para lembrar a cada hora, a cada minuto ao doente e ao médico, ao enfermeiro e ao raro visitante “Esta é a casa dos loucos”. Foi assim que, em 1964, Ugolotti descreveu um manicômio. Esta descrição mais tarde foi publicada no livro O Século dos Manicômios, de Isaias Pessotti. E, se voltarmos no tempo, veremos que os autores estavam certos.

O modelo imposto entre os anos de 1801, propôs que o tratamento de pacientes alienados fosse feito em uma instituição semelhante aos monastérios. É desta forma, que nasce a ideia de isolar e recolher essas pessoas a instituições asilares. No Rio Grande do Sul, já existia nos anos 50, um grande asilo para onde eram transferidos doentes levados às Santa Casas e às prisões ou que simplesmente eram mantidos restritos pelas próprias famílias.  Este asilo é que dará origem ao Hospício São Pedro, inaugurado em 1884, em Porto Alegre.

Desde seu início, uma reclamação era constante nos relatórios dos diretores do hospício: a superlotação e o encaminhamento inadequado de pacientes. Até o século XX os doentes mentais eram levados para os centros psiquiátricos por autoridades policiais, que na maioria dos casos ao menos identificavam os doentes ou ofereciam acompanhamento de seus familiares. Surge aí os “inominados”. É só em 15 de agosto de 1924, através do Decreto 3.355, que a assistência aos alienados passa a ser regulamentada.

Mas isso não foi suficiente, os centros psiquiátricos em todo o Brasil passavam por problema sérios de estrutura. No livro o Holocausto Brasileiro, é contado que alguns manicômios lucravam vendendo os cadáveres para as faculdades mineiras. De acordo com dados fornecidos pela autora da obra, Daniela Arbex, eram pelo menos 16 corpos por dia. As causas dos óbitos eram inúmeras. Morriam de fome, de frio, de doenças ou até mesmo por conta dos eletrochoques.

E, não é preciso voltarmos em um passado distante para observar o descaso com os doentes internados nos manicômios. Entre 2006 e 2009, na cidade de Sorocaba, em São Paulo, morreram 233 pessoas, com idades de 17 a 43 anos. Nesse caso, os óbitos se deram por conta das baixas temperaturas no inverno. Mesmo assim, até fevereiro de 2015, o Brasil contabilizava 25.988 leitos em 167 hospitais psiquiátricos e sem prazo para que eles sejam fechados. Todavia, o Ministério da Saúde, reafirma que está reduzindo os investimentos nessas instituições e transferindo os pacientes para uma rede substitutiva.

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Leitos SUS em hospitais psiquiátricos entre 2002 e 2013. Fonte: divulgação.

Coincidência ou não, foi nos anos 90 que começou uma nova Reforma Psiquiátrica no mundo. Esta tinha como objetivo acabar com o modelo de institucionalização e criação de uma rede de atendimento antes da hospitalização dos pacientes. Isso faria com que os antigos manicômios fossem fechados. O problema é que não houve a criação de redes alternativas e os pacientes ficaram sem ter a quem recorrer.

Reforma Psiquiátrica no Brasil

Proteger os direitos de pessoas com algum transtorno mental e assegurar que nenhuma delas sofra com qualquer discriminação quanto à raça, cor, sexo, orientação sexual, religião, opção política, nacionalidade, idade, família, recursos econômicos ou por conta do grau de gravidade e tempo de evolução de seu transtorno. Este é apenas o início da lei promulgada em 06 de abril de 2001 e que é mais conhecida como Reforma Psiquiátrica, já foi adotada em quase todos os países europeus tendo como referência o modelo italiano.

Considerada um processo social complexo, prevê mudanças como tratamentos menos invasivos e a proibição de internações em instituições com características asilares ou que não tenham recursos suficientes para o atendimento de pacientes portadores de transtornos mentais. Ou seja, o tratamentos destas pessoas deve ser feito na rede pública por meio dos Caps (Centros de Atenção Psicossocial). Nesses locais os pacientes chegam pela manhã e são liberados ao longo do dia para retornarem à suas residências. Em casos mais graves pode haver uma internação, mas não poderá ultrapassar o limite máximo de sete dias.

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Centro de Apoio Psiquiátrico (CAPS): Beneficiados pelo Programa “De volta para casa”. Fonte: divulgação.

Em declaração para a revista Carta Capital, em fevereiro de 2015, o governo federal afirmou em nota que “dentro do propósito de desinstitucionalizar e garantir a livre circulação das pessoas com transtornos mentais na sociedade”.  O projeto referido é o De Volta para Casa, um auxílio-reabilitação no valor de R$ 412,00 para cada um dos 4.332 pacientes que receberam alta depois de um longo histórico de internações psiquiátricas.No entanto, durante as comemorações ao Dia da Luta Antimanicomial, realizado em 18 de maio de 2015, a conselheira do CRPRS (Conselho Regional de Psicologia do Rio Grande do Sul), Mariana Allgayer disse que “durante muitos anos, a atenção em saúde mental esteve centrada no modelo manicomial, em que as pessoas perdem suas referências de vida, são excluídas do convívio familiar, do trabalho, do local onde moram. A Reforma Psiquiátrica possibilitou que os antigos manicômios começassem a ser substituídos por uma rede de serviços na comunidade. Apesar disso, a lógica manicomial permanece existindo de diferentes formas”.

Modelo manicomial nos dias de hoje

Apesar de ser uma evolução positiva para a área de saúde mental, a Reforma Psiquiátrica ainda é relativamente nova e por isso possui falhas quando posta em prática. Muitos manicômios tiveram fim, mas outros tantos estão disfarçados como “casas de repouso”. A Frente de Luta Antimanicomial de Sorocaba (Flamas), faz um alerta ao revelar que com “os antigos donos de hospitais assumindo o controle das residências terapêuticas e dos centros de atendimento, há um risco do pensamento manicomial seguir ativo no tratamento dos pacientes”.

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Imagem de capa da publicação “Residências terapêuticas: o que são, para que servem”  lançada pelo Ministério da Saúde em 2004.

Logo, a Reforma que defende que as pessoas com necessidades de atenção em saúde mental possam permanecer em território domiciliar desde que tenham consultas regulares nas UBS (Unidades Básicas de Saúde) ou nos CAPS, e quando em crise, a internação deve ser em leitos psiquiátricos em hospitais gerais, como o HUSM, está em risco. Pois, de acordo com a jornalista, escritora, militante na luta antimanicomial e integrante da AFAB (Associação de Familiares, Amigos e Bipolares de Santa Maria), Janine Appel, “muitas vezes as famílias ou os médicos acabam colocando essas pessoas nessas “casas de repouso”, que funcionam como um depósito permanente da “loucura””.

E isso além de ser uma forma irregular de garantir lucro financeiro, por parte da administração desses manicômios disfarçados, também é uma questão política. Afinal, o ex-coordenador de saúde mental do Ministério da Saúde,  Valencius Wurch, e o da Secretaria de Saúde do Rio Grande do Sul, Luiz Carlos Coronel, já se manifestaram contra a Reforma Psiquiátrica. E, fora o pensamento em comum, outra ligação entre os dois é que Wurch era diretor da Casa de Saúde Dr Eiras, no Rio de Janeiro, fechada por violação dos direitos humanos e Coronel é ex diretor do São Pedro.

Enfim, atualmente o nome não é mais hospício, manicômio, sanatório e sim, casa de repouso. Que nada mais são do que a segregação da loucura, de incapazes que longe da sociedade são muito lucrativos e por isso também se tornam motivo para brigas políticas.

E em Santa Maria?

Para os que participam ativamente de debates em torno das políticas públicas na área de saúde mental do município, por vezes tem a sensação que a Reforma Psiquiátrica ainda não chegou aqui no Coração do Rio Grande do Sul.  Na cidade a principal referência é a Unidade Paulo Guedes, que pertencem ao HUSM (Hospital Universitário de Santa Maria).

Segundo Janine, o que se tem no local não é um manicômio, mas ainda apresenta algumas lógicas manicomiais, como o uso de uniforme para todos, contenção de pacientes em crises agressivas e uso de eletrochoque ou eletroconvulsoterapia com anestesia em alguns casos. “Mas em maioria, as práticas são bem mais arejadas. Participamos de oficinas de teatro, dança, horta, esportes, passeios, pintura, dobradura”, explica a jornalista que está produzindo um livro sobre os 119 dias que passou internada na unidade. E, ela ainda reforça que “o  serviço no HUSM é muito bom, humanizado, eu tenho a experiência e fui muito bem cuidada pelo pessoal, mas pode melhorar. O pessoal da residência multiprofissional é quem mais batalha para qualificar o atendimento, por outro lado, tem profissionais despreparados lá dentro”.

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Atuação de estudantes de enfermagem da Unifra junto a pacientes da ala psiquátrica do Hospital São Francisco. Foto: arquivo ACS

Mas e aqui em Santa Maria? O que falta para a implementação total da Reforma Psiquiátrica? Talvez essa resposta comece com um olhar mais atento sobre o que podemos chamar de cultura manicomial. Boa parte da população teme o fechamento dos manicômios porque acredita verdadeiramente que esse modelo de atenção – baseado na segregação da pessoa doente – seja o único realmente eficaz no “tratamento” da “loucura”. Por isso, toda ação em psico-educação é importante e necessária. Para Janine, “é preciso convencer a sociedade que a doença mental não inviabiliza as pessoas para o convívio comunitário ou em família. Além, de atestar, com uso de exemplos reais, que a terapêutica aplicada nos CAPS e em outros serviços modelados pela Reforma Psiquiátrica é eficaz a ponto de garantir que pessoas com transtornos mentais sejam (re)inseridas no convívio familiar e comunitário, com saúde, para desenvolver os mais diversos papéis sociais”.

Ela ainda salienta que é necessário combater a cultura enraizada há séculos no imaginário popular de que “lugar de louco é no manicômio”. E que as políticas públicas já existentes sejam efetivadas.

Hoje em dia, temos poucos CAPS para o tamanho da demanda de atendimento. Carecemos de residenciais terapêuticos. Não temos uma rede que articule os atendimento nas Unidades Básicas de Saúde com os CAPS. O Pronto Atendimento Psiquiátrico do HUSM (o único do tipo na região) está fechado há mais de um ano. Não temos estratégias de promoção de saúde mental em nível municipal.

Ou seja, se por um lado avançamos bastante na atenção em saúde mental desde os anos 1990, ainda temos um caminho longo a trilhar na implementação total da Reforma Psiquiátrica.

 

Esta reportagem é uma produção da acadêmica Ticiana Leal para a disciplina de Jornalismo Especializado III, durante o segundo semestre de 2016, do Curso de Jornalismo da Unifra.

Desde os anos 70, militantes do sistema de saúde vêm lutando por uma reforma em sua estrutura e no que diz respeito ao tratamento e cuidado de pessoas com sofrimento psíquico. O mês de Maio é significativo para o grupo do movimento antimanicomial já que, no dia 18 desse mês, em Bauru, São Paulo, no ano de 1987, aconteceu o primeiro encontro dos profissionais de saúde mental, a fim de discutir reivindicações, relatar preocupações e lutar por uma transformação do sistema de tratamento vigente na época.

Segundo o psicólogo, especialista em saúde mental pela Universidade Federal de Santa Maria e mestrando em psicologia da saúde Tiago Alves, a militância se constrói no encontro com o outro. E a militância na saúde mental diz respeito a lutar para que esses usuários tenham o direito de ir e vir e de existir. “O louco está sempre nesse lugar à margem, como marginal dentro da saúde. E a militância é baseada nisso: em lutar pelo direito do outro, mostrar que a igualdade se distribui através da diferença, e reconhecer a diferença nos outros”, comenta Tiago.

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11º Mental Tchê  (Foto: Divulgação Mental Tchê 2015)

A Lei Paulo Delgado tramitou durante 12 anos e, em 2001, foi aprovada  pelo Congresso Nacional, isso garantiu uma reestruturação no sistema de saúde mental do país. A lei assegura aos usuários do sistema de saúde a oportunidade do tratamento em liberdade e da não segregação perante a sociedade. Ainda, prevê que o tratamento deve ser realizado de acordo com as necessidades de cada um, e de sua singularidade como pessoa. Os pacientes têm a oportunidade de beneficiar-se com diversos tipos de tratamentos terapêuticos, de uma forma não invasiva.

Um dos carros-chefes dessa reforma psiquiátrica foi a criação dos Centros de Apoio Psicossociais (CAPS), que promovem diferentes formas de terapia, procurando entender o que é necessidade de cada paciente, e de como gostariam de participar das atividades propostas pelos profissionais atuantes nesses locais. Hoje Santa Maria conta com quatro desses centros, mapeados em zonas diferentes da cidade.

“A gente tem a função de inventar uma forma de cuidado que seja de verdade, e que respeite a singularidade de cada pessoa. Nesse sentido, a raiz o CAPS tem uma ligação estreita com essa perspectiva de reverter uma lógica de cuidado. Já que muitas pessoas ainda pensam que é a forma manicomial, de internar, pra criar outra cultura, pra de tratamento dessas pessoas que tem problemas mentais, sofrimento psíquico ou são usuários de álcool e drogas”, reforça o psicólogo, Douglas Casarotto que atua no CAPS – Cia do Recomeço.

Mental Tchê em São Lourenzo do Sul em 2015
Mental Tchê em São Lourenço do Sul  (Foto: Divulgação Mental Tchê 2015)

Douglas ainda comenta que as alternativas de tratamento vão das mais tradicionais às mais alternativas, desde que as pessoas considerem importante. “Às vezes tem a ver com a família, com pais, os filhos, lazer e emprego. A gente tenta ajudar ela a fazer um plano de vida. Para que a droga, por exemplo, saia do centro da vida da pessoa e passe a não fazer mal para ela. Mas não trabalhamos com a questão da abstinência, é uma opção pessoal deixar de usá-la”, ressalta o psicólogo.

A atual gestão do governo do Estado, assumida no início de 2015, alterou a política de saúde mental. Não houve repasses aos CAPS e novos leitos de internação para usuários de drogas e pessoas com sofrimento mental foram reabertos. Além disso, os chamados residenciais terapêuticos, também frutos da reforma, foram desalugados no Estado. Esses residenciais são casas localizadas em diversos bairros, fundamentadas para atender às necessidades tanto de moradia como de cuidados às pessoas portadoras de transtornos mentais egressas ou não de hospitais psiquiátricos que apresentam dificuldade de reintegração familiar.

A psicóloga, representante do Conselho Regional de Psicologia, Bruna Osório, a atual gestão de saúde mental do governo do estado vem manifestando publicamente, em audiência publicas e na imprensa, a pedido do conselho estadual de saúde que é muito possível que os recursos desse setor sejam realocados para ações manicomiais.

“O atual gestor já anunciou na imprensa a reativação de longa permanência do Hospital Colônia Itapuã e que o Hospital São Pedro também, será centro de referencia para tratamento de Crack, colocando o a droga como uma epidemia, que não é a lógica proposta”, conclui Bruna.

O 11º Mental Tchê ocorreu, entre o dia 6 ao dia 8 de maio deste ano, em São Lourenço do Sul. O congresso tem como intuito fortalecer a militância na luta antimanicomial. O evento reuniu trabalhadores da área de saúde mental, usuários do Sistema Único de Saúde (SUS), gestores, trabalhadores, residentes, estudantes e simpatizantes da luta antimanicomial. Neste ano, o Mental Tchê tratou assuntos como o cuidado dos usuários de álcool e drogas. O encontro que durou três dias contou com debates dos participantes sobre assuntos referentes à saúde mental.

Ainda no mês de maio, diversos movimentos de resistência atuaram na cidade em inúmeras atividades. Confira a cobertura que a TV Unifra realizou da caminhada que ocorreu no dia 19.

[youtube_sc url=”https://www.youtube.com/watch?v=m-bQhq62k44″]

Dione Lemos, estudante de Psicologia do Centro Universitário Franciscano, fala sobre o seu envolvimento com a luta

[youtube_sc url=”https://www.youtube.com/watch?v=BU4bd0eLBVU&feature=youtu.be”]

Vânia Fortes de Oliveira, psicóloga e professora do Centro Universitário Franciscano, conta como foi o Mental Tchê em 2015

[youtube_sc url=”https://www.youtube.com/watch?v=zHh8C3yDXvA”]

 Por Julia Machado e Helena Moura para a disciplina de Jornalismo Online

A psicofobia, preconceito contra pacientes psiquiátricos, ainda impera na sociedade, infelizmente. Segundo professoras do Centro Universitário Franciscano, o preconceito deve ser desconstruído a partir de políticas para uma maior inserção desses pacientes na sociedade, inclusive o trabalho contra o preconceito começa na sala de aula. Além dessa barreira, o tratamento psiquiátrico atravessa a falta de locais estruturalmente apropriados, onde os pacientes em surto possam ser assistidos.

(foto por: Viviane Campos, Laboratório de Fotografia e Memória)
(Foto: Viviane Campos/Laboratório de Fotografia e Memória)

A professora e coordenadora do curso de Psicologia do Centro Universitário, Cristina Kruel, fala sobre a abordagens das aulas de psicologia: elas são pautadas em casos práticos, factuais, quando tratamos a saúde mental ela está permeada em todas as disciplinas, nas disciplinas de psicopatologia onde falamos mais especificamente dos transtornos, então é tratada questões de diagnósticos.
A forma de trabalhar com pacientes psiquiátricos e o tratamento é lapidado em todas as aulas, os alunos conhecem o transtorno e esse é problematizado. As aulas geralmente são em círculos, para todos se enxergarem e ter uma melhor dinâmica.
“O foco também está na saúde do paciente, além do transtorno, pois ele não é só aquele sintoma, ele tem coisas mais saudáveis, então trabalhamos com esses aspectos positivos para o tratamento, não focamos somente na doença mental, fala Cristina”.
Discutimos no Conselho de Psicologia a questão do preconceito sempre, que é combatido, inclusive, na formação do profissional. É necessário desconstruir a pré-imagem do paciente, mostrar que essa pessoa sofre e não é só esse transtorno ou sintoma, ela deve ser compreendida e não rotulada. O paciente tem a sua vida, sua família, seu emprego.

Segundo a coordenadora, os professores abordam também a teoria de não nomear ao paciente o seu sintoma, pois é como ele se sente, isso não resume a identidade dela, é somente uma característica do todo, um detalhe do ser humano que ela é. Evitam usar esses nomes também nas escolas para que a criança e o adolescente não cresça com a ideia de que ela é só isso e não consiga ter autonomia.

“Temos no curso estágios básicos e específicos; os básicos começam a partir do quarto semestre e o específico já tem uma ênfase maior nas facetas do curso. Trabalhamos com os alunos no Hospital São Francisco, na Casa de Saúde e aqui nos laboratórios do curso”, Cristina comenta.

(Foto por: Francine Antunes, Laboratório de Fotografia e Memória)
(Foto: Francine Antunes/Laboratório de Fotografia e Memória)

A professora de saúde mental, do curso de Enfermagem, Karine Cáceres, ministra a parte da reforma psiquiátrica, faz uma contextualização até os dias atuais, posteriormente entra nas patologias, com exemplos da realidade e das suas experiências enquanto supervisora da saúde mental e psiquiatria. “Isso facilita o desenvolvimento das aulas, trago exemplo reais e atuais, como o co-piloto que tinha problemas mentais, que causou o acidente de avião”, comenta.
Vejo, infelizmente, muito preconceito contra o paciente psiquiátrico, desde que dou aula nessa disciplina mostro aos alunos que são pessoas normais, mas que em um certo momento de crise, tem de se ter um cuidado a mais. Nós devemos começar a tentar mudar essa visão e conceito que têm dos pacientes. Há um receio muito grande das pessoas em se comunicar com os psiquiátricos, elas acham que eles serão agressivos mas isso só ocorre em tempo de surto ou crises.
“Hoje, no Hospital São Francisco, temos 25 leitos para pacientes psiquiátricos e dependentes químicos, temos também a Casa de Saúde e o HUSM,  que atendem pelo SUS, também comportam um grande número de pacientes, mas ainda falta estrutura”. Um paciente em surto precisa estar em um ambiente onde tenha o tratamento correto, porque muitas vezes eles têm crise em decorrência da não-medicação. Contamos também com os CAPs, mas Santa Maria precisa de mais suporte nessa área.
Na unidade de psiquiatria, atua a Enfermagem, com estágios, a Terapia Ocupacional e a Psicologia, e a Nutrição, da UNIFRA. Na Casa de Saúde, além desses cursos tem a residência médica em psiquiatria.